domingo, 27 de julho de 2008

Da Faculdade de Julgar: Por um Éthos e uma Aísthesis em Arendt (Texto publicado na Revista Ethica. Rio de Janeiro, v. 14, p. 110-118, 2007)

No curso da investigação acerca de uma filosofia do Éthos e de uma Aísthesis em Arendt, pode-se observar que, à luz de sua trajetória, a pensadora jamais abandonou a busca de uma reabilitação para a filosofia em seu aspecto prático. Contudo, na medida em que resgata a filosofia kantiana como mote da relação entre Filosofia e política, Arendt introduz um novo e inusitado fio condutor, o qual se abre como possibilidade de tratar essa relação de uma forma destacada dos pressupostos tradicionais, o que se evidencia ao utilizar a Terceira Crítica kantiana, A Crítica do Juízo. Dessa Terceira Crítica, ademais, Arendt utiliza-se da parte relativa à definição do juízo estético, pelo qual se expressa a apreciação sobre o belo, bem como o conceito central de desinteresse, usado para qualificar o juízo estético. Ambos os temas se mostram tradicionalmente apartados das questões relativas à política.

Mesmo não se tendo uma precisão acerca de qual é a derradeira palavra de Arendt sobre a questão apresentada, pode-se afirmar que uma das teses principais de A vida do espírito diz respeito à atividade do pensar, tomando este pensar não como aquilo que significa um mecanismo para consagrar regras gerais de conduta, de modo que estas sejam aplicadas a casos particulares[1] Ao contrário, o pensamento, para Arendt, é uma necessidade do ‘espírito humano’. Com efeito, é em A vida do espírito que Arendt mostra que a atividade do pensar apenas desvela a sua real importância em momentos de crise, haja vista o fato de o pensar (thinking) aparecer não como cognição ou entendimento (Knowledge), mas, isto sim, como algo crucial e inerente ao ato de julgar os fenômenos e eventos por parte dos homens. Donde se perceber que este pensar só emerge a partir do ato de julgar. Em outras palavras, em A vida do espírito, Arendt, ao retirar o pensamento do horizonte de aparências que o encobre, lança-o em uma esfera prático-política, da qual o pensamento pode caminhar na busca daquilo que lhe é inerente: “compreender a significação das coisas, e não antes a sua verdade ou falsidade”[2].

É neste compasso que as lições dedicadas à filosofia política de Kant aparecem. Afinal, a faculdade do juízo, consoante Arendt, insurge como a extrema reserva na qual ainda é possível sustentar um distanciamento e uma autonomia de pensamento frente a uma realidade política efetiva, a qual, na maioria das vezes, encerra, isto sim, o espaço da ação comum aos homens, impedindo-lhes de experienciar uma práxis autêntica. Um pensamento judicante, portanto, só é manifesto na medida em que — para fora de uma superficial ‘impoliticidade’ e da desobrigação em erigir novas “teorias” orientadoras de uma práxis eficaz — desencobre o seu significado eminentemente prático-político, a saber: um ‘sensus communis’, ou seja, a capacidade, daquele que julga, de colocar-se no lugar de outros para formular seu próprio julgamento. Embora seja realizado pelo sujeito em sua individualidade, a atividade do julgar só pode ser realizada por um indivíduo que possua por referência tanto o mundo quanto uma comunidade de homens. Talvez seja justamente por esta razão que, em sua última obra, Arendt resgate a Crítica Kantiana em seu aspecto ‘desinteressado’.

Faz-se mister, neste ponto, lembrar que, para Arendt, a modernidade aparece marcada não apenas pela experiência da desorientação e ‘ensimesmamento’, mas também com uma dúplice liberação. Afinal, com Kant, a unidade entre Ser e pensamento proclamada pela filosofia moderna, desde Descartes, foi desestabilizada, bem como posta em ‘xeque’ a cognoscibilidade de uma Realidade por trás do indivíduo. Nesse sentido, é válido afirmar que se pode compreender o que baliza a análise da crítica kantiana por parte de Arendt, no que concerne à sua retomada da relação entre filosofia e política.

Ora, o primeiro movimento nessa direção remonta à compreensão arendtiana do que Kant entendeu e sublinhou por filosofia. A idéia frisada por Arendt diz respeito ao fato de que, com Kant, a filosofia se dissocia do Ser. Ou seja, em certa medida e em certo grau, a Metafísica, tal como foi tradicionalmente sublinhada, passa não mais a pertencer ao âmbito do conhecimento filosófico. Ressalte-se que Kant não retira a Metafísica do âmbito da filosofia, mas antes, a rearranja diante da incognoscibilidade do Ser. Em outras palavras, com Kant, a filosofia não possui mais consonância com a Metafísica tradicional, tendo em vista que a sua definição de filosofia distancia-se da pretensão de alcançar alguma verdade transcendente. Desse modo, a filosofia não está, por princípio, direcionada a uma conformidade de olhar que se encaminhe para o supra-sensível. Mais precisamente, a filosofia, com Kant, torna-se crítica. Ressalte-se que uma filosofia crítica, inicialmente, diz respeito a um procedimento que visa ao estabelecimento dos limites do conhecimento, tal como Kant anuncia no prefácio da Segunda Edição de a Crítica da Razão Pura (1997). Contudo, na acepção arendtiana, esta crítica estende-se a uma atividade do pensamento como ultrapassagem do conceito (a essentia) pela Realidade. O pensamento, portanto, não envolve, deste modo, a aquisição de algo que possa ser identificado como a verdade em filosofia. Ou seja, a filosofia não pode mais consistir em um ‘dar as costas’ às coisas do mundo sensível, mas antes, como exposto na Estética Transcendental, tem como um de seus principais propósitos apontar para a função da sensibilidade — nas figuras do espaço e do tempo como formas a priori — na constituição do conhecimento.

O abandono dos parâmetros metafísicos que moldavam um tentame seguro do pensamento encaixa-se com uma nova figuração para o filósofo; este não mais se abre na figura de autoridade; isto é, o modo metafísico pelo qual a filosofia era compreendida até então desaparece simultaneamente ao ofuscar-se a necessidade de busca por um princípio da autoridade política. Nesse sentido, faz-se compreensível a razão pela qual Arendt vislumbra Kant como aquele que abriu a possibilidade de um resgate das relações entre filosofia e política, vinculadas tradicionalmente, desde Platão, nos pares pensamento/metafísica e política/autoridade.

Cabe ainda ressalvar que, para Arendt, a filosofia política de Kant não se circunscreve aos tratados específicos sobre o tema, visto que, segundo ela, Kant não escreveu efetivamente uma filosofia política em seu sentido tradicional. Nesse sentido, Arendt busca uma nova perspectiva deste pensamento político, concebendo Kant como alguém que se insurge contra a tradição, mesmo que ainda esteja atrelado a ela. Na ótica arendtiana, os juízos de gosto kantianos abrem possibilidade para a realização de juízos políticos; contudo, esta abertura não faz com que se perca de vista o particular, sobre o qual recai o juízo. A universalidade presente no juízo apenas incide como uma pretensão, haja vista a inexistência de uma finalidade externa. Afinal, os juízos estéticos kantianos se voltam, única e exclusivamente, sobre o objeto de análise. E, mesmo que o sujeito judicante esteja inserido no ‘sensus communis’, colocando-se, hipoteticamente, no lugar de outros para formular seu julgamento, seu olhar ainda recai sobre o particular. É com este olhar específico que se realiza o juízo político, o qual se redefine nos termos da distinção entre o ator engajado na ação e o espectador crítico e imparcial.

Arendt, para quem a política se tornou tema central, afirma ter cessado todo o interesse por constituir uma ‘Filosofia Política’. Ora, ela, de fato, “suspende o interesse”, voltando-se ao modo desinteressado presente na Crítica do Juízo de Kant. Este modo de ser desinteressado, caracterizado no ‘juízo estético’ kantiano, significa, para Arendt, uma aproximação das coisas, a qual não pode ser medida em teorias e doutrinas que se pretendam como fórmulas de verdade. Com efeito, o que se encontra é o desinteresse como possibilidade de apreensão das coisas, sem que, para tanto, seja necessário um modelo metafísico de conhecimento. Esse desinteresse não se encontra fechado ao olhar kantiano, mas, ao contrário, relaciona-se com o ‘retorno às coisas mesmas’. Destarte, há de se perceber, portanto, uma nova configuração intelectual dada por Arendt, por meio de sua leitura da Crítica do Juízo. Nesta existe uma dúplice liberação, na qual, por um lado, a experiência do pensamento deixa de exercer a função de prover critérios para o julgar, abandonando, por conseguinte, a perspectiva instrumental na consideração do que é pensar. Neste compasso, cria-se uma abertura para o pensamento, dando-lhe autonomia. Tal autonomia, dessarte, permite apontar para os juízos estéticos; afinal, estes expressam, em seu sentido mais próprio, as relações livres que possuem com as coisas ditas belas, apresentando-se aos indivíduos em sua livre aparência. Por outro lado, a liberação também se dá no âmbito da política, visto que esta — compreendida como um juízo desinteressado — liberta-se dos critérios a ela impostos pelas diferentes doutrinas e teorias que figuravam um modelo de autoridade. Com esta liberação, a política não mais se estabelece como um problema para o filósofo, mas antes, torna-se, efetivamente, um problema filosófico.

É neste contexto, do qual o pensar aparece como uma atividade da razão, e não como possibilidade de conhecimento, que Arendt, na ausculta de Kant, retoma o conceito de pensamento, julgamento e, por conseguinte, de mal. Afinal, “se a habilidade para distinguir o certo do errado tem alguma coisa a ver com a habilidade de pensar, então, temos de ter a capacidade de exigir seu exercício por parte de toda pessoa sã”[3], independentemente de sua erudição ou inteligência. Kant não acatava a idéia de filosofia como algo destinado a poucos, pois, para ele, essa opinião possuía implicações morais sérias. Como observara certa vez: “a estupidez é fruto de um coração perverso”[4]. Para Arendt, esta sentença seguida ao ‘pé da letra’ é equívoca. Afinal, guiando-se por este fio condutor, percebe-se que Kant aproxima a noção de mal do ato de irreflexão, isto é, a incapacidade de pensar não é concebida como uma ‘estupidez’, mas antes, pode ser encontrada em pessoas inteligentíssimas, as quais agem de modo irrefletido, sendo esta irreflexão muito mais constante que a própria maldade. Segundo Arendt, o problema se encontra no fato de não haver a necessidade de se possuir ‘um coração perverso’ para executar um ato cruel, mas, diferentemente, o que o ocasiona, na maioria das vezes, é a falta de exercício da razão como faculdade do pensamento. À vista disso, Arendt apresenta algumas proposições as quais se voltam, efetivamente, a Kant. As observações arendtianas acerca do pensamento nos colocam diante de um problema genuinamente filosófico, a saber: a conexão interna entre a incapacidade de pensar e o problema do mal.

As proposições arendtianas, em seu aspecto geral, dizem respeito, primeiramente, ao fato de haver uma distinção entre a faculdade do pensar e a faculdade cognitiva, estabelecendo uma distinção entre razão e intelecto. Ademais, o pensamento não possui por busca a ‘sede do conhecimento pelo conhecimento’, que pertence à ciência, mas, antes, se guia na ‘re-presentação’. Em outras palavras, o pensamento emerge do deslocamento do indivíduo para fora do mundo objectual, do mundo das aparências, donde o homem sai, voluntária ou involuntariamente, do mundo comum. A faculdade do pensamento, portanto, além de não possuir um aspecto efetivamente prático, também não possui resultados certos e verificáveis. Consoante Kant, não se pode consentir que haja uma regra “segundo a qual algo que foi provado pelo uso da razão não está [esteja] mais sujeito à dúvida, como se fosse um sólido axioma. [...] e que não devemos mais duvidar depois de nos convencermos de algo. Na filosofia pura isto é impossível. Nosso espírito tem uma aversão natural a isto”[5].

O que Arendt almeja é mostrar que a habilidade de pensar está relacionada à de distinguir certo e errado, sendo, desse modo, uma habilidade compartilhada por todos, a despeito de o grau de inteligência inerente a cada qual. Contudo, para realizar este intento, a pensadora tem de dar conta de duas outras proposições: 1) se Kant está correto quanto ao fato de que da faculdade de pensar não se pode aceitar nenhum resultado como “axioma sólido”, então, desta faculdade também não se pode esperar algum mandamento ou regra moral, muito menos uma definição última do que seja bem ou do que seja mal; 2) se, de fato, o pensamento não está na ordem do mundo, no compasso das aparências, mas antes, versa sobre o invisível, então, como se pode retirar deste empreendimento, tão sem resultados, algo relevante para o mundo?

Visando a responder estas questões, Arendt, numa alusão a Sócrates, insere-se no discurso sobre as questões acerca da relação entre a ‘pluralidade’ e o ‘estar-só’, bem como ao também socrático ‘dois-em-um’. Para Arendt, Sócrates é o ‘moscardo’, que desperta os cidadãos, a fim de que estes, no pensar e examinar questões, mantenham-se realmente vivos; também é a ‘parteira’, trazendo à luz o pensamento dos outros, de modo a revelar as conseqüências de suas opiniões; por fim, Sócrates é o ‘poraquê’, a arraia-elétrica cujo pensamento se apresenta com um efeito destrutivo e corrosivo sobre todos os critérios estabelecidos, tanto para o bem quanto para o mal.

O pensamento se torna perigoso, pois, mesmo sem resultados, leva, àqueles despertos pelo ‘moscardo’, a uma busca de significados, dissolvendo e reexaminando todas as doutrinas e regras dantes aceitas. No afã de criar ‘novos valores’, invertem-nos, esquecendo-se que valores invertidos ainda são valores. Ou seja, os resultados supostamente encontrados são tão negativos quanto os velhos, mantendo o indivíduo em sua rotina irrefletida, pois, a partir do período em que estes resultados são aplicados ao domínio dos assuntos humanos, aparecem como nunca pensados. O pensamento aparece como perigoso sempre, haja vista o próprio perigo inerente à atividade do pensar; afinal, “todo exame crítico deve passar por um estágio em que se negam, pelo menos em hipótese, opiniões e valores aceitos [...]; nesse sentido o niilismo deve ser visto como um perigo sempre presente no pensamento”[6]. Ressalte-se que o perigo do pensamento não está na necessidade de se viver uma vida de reflexão, mas antes, emerge do anseio por resultados últimos e definitivos.

Contudo, há, decerto, um outro perigo, ainda maior, o do ‘não-pensamento’. Este, tão recomendável no contexto político e moral, ao procurar resguardar as pessoas de certas investigações, acaba levando-as a agarrarem-se a qualquer conjunto de regras ou doutrinas, “prescritas em um dado momento, em uma dada sociedade”[7] Os indivíduos habituam-se à posse das regras, não a seus conteúdos, haja vista o fato de estes últimos, ao serem analisados em um exame mais minucioso, sempre levarem à perplexidade daquele que os examina. No hábito de se seguir regras, torna-se fácil invertê-las sem grandes questionamentos, visto a maciça maioria não possuir o costume de decidir por si mesma. É por esta razão que Arendt afirma ter sido muito fácil para os governantes totalitários do III Reich e da URSS eliminarem com mandamentos básicos da moralidade ocidental, tais como: “Não matarás” e “Não levantarás falso testemunho”.

Arendt aponta para o fato de que, embora o pensamento não seja passível de dar resultados concretos, uma vida sem reflexão não é válida; afinal, o pensar acompanha o viver justamente porque se envolve com conceitos intrínsecos à pólis, tais como os de justiça, eudaimonía, moderação e prazer. Nesse sentido, a procura relativa ao pensamento não se funda em um aperfeiçoamento ou corrupção de conceitos, mas, isto sim, em um tipo de amor, Eros, desejoso daquilo que não possui, isto é, “um amor que é antes de tudo uma falta”[8]. Ademais, uma vez que a procura do pensamento se apresenta como Eros, então, os objetos do pensamento também devem ser merecedores deste mesmo Eros. Logo, o pensamento tem, por objetos, coisas como a beleza e a justiça, excluindo-se de seu campo de interesse a feiúra e o mal. Consoante Arendt,

A feiúra e o mal excluem-se por definição do interesse do pensamento, embora possam de vez em quando surgir como deficiências, como falta de beleza, falta de justiça, e como mal (kakia), na qualidade de falta de bem. Isso significa que não têm raízes em si, não apresentam nenhuma essência que o pensamento pudesse apreender. O mal não pode ser feito voluntariamente, em função de seu “estatuto ontológico” [...]; consiste em uma ausência, em algo que não é[9].

À vista disso, percebe-se que o mal aparece como a ausência do pensamento; afinal, guiando-se por toda uma tradição, este quase sempre se apresenta como privação ou negação. Segundo Arendt, encontramo-nos incrustados na falácia platônica, a qual dita acerca da involuntariedade da ação maléfica, na qual ‘todos querem fazer o bem’. O problema, afirma Arendt, está no fato de que o mal é praticado por pessoas que nunca escolheram ser boas ou más.

Com o intuito de compreender as proposições apresentadas por Arendt, deparamo-nos com outras assertivas socráticas. Ora, se a virtude não pode ser ensinada, como está escrito no Mênon, então, porque razão Sócrates proferira a Cálicles duas sentenças tão paradoxais e contraditórias à estrutura social e ao pensamento político grego de sua época? Em outras palavras, a partir das proposições afirmativas, “é melhor sofrer o mal que cometer” e “seria melhor para mim, se minha lira estivesse desafinada ou se um coro por mim regido ressoasse em puras dissonâncias, do que se eu, sendo um, viesse a entrar em desacordo comigo mesmo ou contradizer-me”[10], Sócrates, na ótica arendtiana, introduz algo para além de insights moralistas; na verdade, o que está em jogo é a ação cometida, o mal. Este, a despeito daquele que tenha levado vantagem, o malfeitor ou a vítima, deve ser impedido, “uma vez que o que está em jogo é o mundo [...] que todos compartilhamos; a Cidade [polis]”[11]. Ademais, o ‘sendo um’ socrático o coloca diante da incapacidade de entrar em desacordo consigo mesmo; contudo, nada que é idêntico a si mesmo pode estar em desarmonia, pois, para que isto ocorra é necessário um outro. Há sempre o ‘dois-em-um’, ou seja, “tudo o que existe em meio a pluralidade de coisas não é simplesmente o que é, em sua identidade, mas é algo diferente a outra coisa”[12]. Em outras palavras, por mais que a atividade do pensamento pareça uma atitude solitária, esta exalta a atualização de “uma pluralidade interna aos homens que reflete a própria pluralidade do mundo”[13]. Logo, o‘dois-em-um’ socrático diz respeito ao fato de que o pensamento não subsiste isolado, havendo, desse modo, parceiros do diálogo do pensamento, nem que para isso se dialogue consigo enquanto consciência e ego.

Arendt introduz a idéia de consciência para tentar dar conta da questão. Com obviedade, Arendt não faz quaisquer equivalências entre a consciência e o pensamento, entrementes, afirma que é somente em razão da consciência que o pensamento é possível, haja vista ser a diferença dada na consciência aquilo o qual o pensamento realiza em seu processo. O exemplo dado por Arendt encontra-se na poesia shakespeareana, na qual Ricardo III apresenta-se, no diálogo entabulado consigo mesmo, tal como Sócrates, pois necessita da solidão de sua casa para encontrar-se com o ‘outro indivíduo’, isto é, consigo mesmo, entabulando, assim, um diálogo do ‘eu’ com sua consciência.

Nesse contexto, Arendt abre espaço para dois modos de se compreender a consciência, consciousness e conscience. A conscience é um derivativo de consciousness; esta diz respeito à consciência, ao “eu sou eu”, enquanto aquela diz respeito à consciência moral. Todavia, se por um lado, a consciousness ‘fica em casa’, velada no ego pensante, sem se relacionar com as coisas que nos aparecem, isolando-se consigo mesma, por outro, conscience, a ‘consciência moral’ aparece como um ‘re-pensar’ (after-thought), uma ‘voz interior’ que, tomando o lugar de Deus, “deixa o homem repleto de embaraços”[14]. Em outras palavras, a ‘consciência moral’ emerge da antecipação da presença de um outro, mas este outro nos aguarda ‘somente se e quando voltamos para casa’. A metáfora shakespeareana ressoa mais uma vez na sentença proferida por Ricardo III, “todo homem que almeja viver bem esforça-se por viver sem ela”[15]. Segundo Arendt, não é difícil ter êxito nesta obra; “basta jamais dar início ao solitário diálogo sem som a que chamamos pensamento, jamais ir para casa e examinar coisas”[16].

As questões aqui apresentadas não são passíveis de uma análise acerca da maldade ou da bondade de ações realizadas, e tampouco de se compreender e dividir os homens entre inteligentes e estúpidos. Ao contrário, Arendt aponta para as impossibilidades de reflexão quando não se possui uma interação do ‘eu consigo mesmo’, haja vista tal fato impedir o exame daquilo que se diz ou que se faz. Afinal, sem um auto-exame não se cria um impasse para contradições, pois o espírito irreflexivo não é capaz de explicar suas ações, e tampouco “se importará de cometer qualquer crime, uma vez que está certo de que será esquecido no minuto seguinte”[17]. A ‘consciência moral’, portanto, não aparece como algo dado de imediato ao pensamento, mas antes, como um efeito colateral. Isso decorre do fato de que o pensar em seu sentido não-cognitivo é uma necessidade natural da vida humana, estando presente em todos. Do mesmo modo, a ‘inabilidade de pensar’ é uma possibilidade sempre presente, oriunda do esquivar-se da interação consigo mesmo. Arendt, nesse sentido, encontra o mal não como maldade ou ressentimento; ao contrário, este é, isto sim, algo que está com o ‘todo-mundo’ que, sem razões especiais, sem motivos injuriosos ou perversos, é capaz de um ‘mal infinito’. Caminhando junto a Sócrates, percebe-se, então, que o pensamento não é capaz de criar valores, não é capaz de encontrar o que é “o bem” e, no lugar de aceitar ou negar as regras de condutas, dissipa-as. Se deveras há uma importância política ou moral do pensamento, esta só emerge diante de fenômenos que fazem com que as coisas despedacem-se. Consoante Arendt,

É apenas nesse contexto que o pensamento deixa de ser um assunto marginal em questões políticas. Quando todos se deixam levar impensadamente pelo que os outros fazem e por aquilo que crêem, aqueles que pensam são forçados a aparecer, pois sua recusa a aderir fica patente, tornando-se uma espécie de ação. O componente depurador no pensamento, a maiêutica socrática, que traz à tona as implicações das opiniões não examinadas e, portanto, as destrói [...] é política por implicação[18].

Segundo Arendt, a destruição dessas opiniões incrustadas exerce um efeito liberador sobre outra faculdade humana, a do julgar. Esta deve ser vista como a mais política dentre todas as faculdades humanas, haja vista que, ao julgar os particulares, estes não são subsumidos por regras gerais e dogmas, os quais podem, isto sim, ser ensinados e aprendidos de modo a tornarem-se mais uma vez hábitos e, sucessivamente, serem substituídos por outros hábitos e regras. Portanto, tal qual Kant, Arendt vê, na faculdade de julgar particulares, a possibilidade de se dizer ‘isto é errado’ ou ‘isto é belo’.

Contudo, há de se ressalvar que, tanto Arendt quanto Kant não tornam o julgar equivalente ao pensar. Em outras palavras, a faculdade de julgar não equivale, em hipótese alguma, à faculdade do pensamento; afinal, conquanto o pensamento lide com invisíveis, o juízo envolve particulares, isto é, envolve as coisas que se apresentam e aparecem ao homem como estando ‘à mão’. Entrementes, apesar da eqüidistância entre as duas faculdades, elas estão em consonância, visto que, tal qual a ‘consciência moral’ (conscience) se liga à consciência (consciousness), aparecendo como seu subproduto, o juízo também se apresenta como efeito liberador do pensamento, instaurando-se como o próprio pensar, na medida em que o torna manifesto no mundo fenomênico, ou seja, no mundo das aparências. Nas palavras de Arendt,

A manifestação do vento do pensamento não é um conhecimento; é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E nos raros momentos em que as cartas estão abertas sobre a mesa, isso pode, de fato, impedir catástrofes, ao menos para mim mesmo[19].

Diante do exposto, reportamo-nos a Kant, mais precisamente à contraposição entre o juízo determinante e o juízo reflexionante estético, o qual é acolhido por Arendt como um meio para compreender os fenômenos políticos e realizar uma filosofia política; afinal, o juízo reflexionante estético aventura-se na sua habilidade de julgar particulares, sem que, para tanto, possua a pretensão de abarcar qualquer universal. Kant, com sua conceituação crítica de uma razão formal, mantém-se vinculado à tradição; contudo, o projeto crítico kantiano não subsume a uma única esfera, imposta pela racionalidade do homem, que o faz um ente concernido a um reino unívoco de fins no qual a sua marca diferencial reside apenas no mérito de criar e dar-se normas e regras de conduta, isto é, leis. Em outras palavras, os juízos morais determinantes, pertinentes à Crítica da Razão Prática, não dão conta, efetivamente, de uma filosofia política, haja vista o fato de que a clássica pergunta, ‘o que eu devo fazer’, bem como a idéia de liberdade contígua a esta questão, não são capazes de responder suficientemente aos propósitos kantianos de uma filosofia política. Afinal, a estrutura dos juízos morais reduz, demasiadamente, as probabilidades de se considerar uma dada perspectiva intersubjetiva. Ora, o problema reside no fato de que a moral sobreleva a vontade previamente fixada pela razão e, outrossim, por intermédio do raciocínio, determina o que é imperativo fazer. Tais sobrelevação e determinação acabam por subsumir o particular ao universal, retirando-o do julgamento. Nesse sentido, o juízo determinante efetivamente não é capaz de julgar particulares, não abarcando, assim, os fenômenos políticos, e tampouco é capaz de permitir a existência de uma filosofia política. Em face deste olhar acerca dos juízos determinantes, Arendt opta pela Analítica do Belo para discutir a política em Kant, visto que o juízo reflexionante estético versa sobre os particulares, sem a necessidade de apreender um dado universal.

Em uma análise dos juízos reflexionantes estéticos, percebe-se que, com estes, Kant assegura as faculdades subjetivas, dando ao discernimento moral uma avaliação estética. Ou seja, não sendo possível apreender um dado universal a cada caso particular, este deve ser buscado por aquele que julga, e isso através de um sentimento interno, isto é, através do gosto. Entrementes, o juízo estético só possui validade se posto à concordância dos demais ou, em outros termos, se levado em conta o juízo de outros acerca dos objetos particulares; nesse sentido, o juízo estético emerge como uma atividade persuasiva, haja vista o fato de buscar a aprovação dos outros. Ademais, os juízos estéticos estão inseridos na noção de consenso, o qual só se manifesta por meio da adesão; donde se perceber porque motivos os juízos reflexionantes estéticos parecerem mais razoáveis na construção de uma filosofia política do que os juízos determinantes, que são dados imperativamente em vista da universalidade. Portanto, para Arendt, os juízos políticos, derivados dos juízos estéticos, justamente por não possuírem um caráter imperativo e universal, não se abrem a todo e qualquer indivíduo, mas, antes, se restringem aos membros de uma dada comunidade. Ademais, sendo a opinião, ou gosto dos outros, a condição sine qua non para a validade dos juízos estéticos, então se pode afirmar que estes só possuem uma validade concreta se postos em sociedade. Esta característica é de grande valia na formulação de uma filosofia que se proponha política, visto que, tal como o belo se encontra necessariamente vinculado à sociedade, nas suas diferentes comunidades, também os juízos políticos devem se vincular a estas.

Seguindo o fio condutor de Arendt, percebe-se que, em sua análise da Crítica do Juízo, a pensadora visa a entender o juízo como uma faculdade do espírito humano para lidar com o particular. Ademais, Arendt destaca duas operações inerentes a esta faculdade: a imaginação e a reflexão. Ora, no que concerne à imaginação, pode-se compreender que a mesma emerge como um sentimento acerca de um objeto interno, que se encontra representado mesmo sem a existência factual do objeto externo. É neste contexto que o gosto se manifesta; afinal, este se apresenta como um sentido interno. Nessa acepção, a imaginação possui por finalidade preparar os objetos para a reflexão, de modo a garantir a condição necessária para se realizar o juízo, ou seja, de modo a garantir-lhe, segundo Arendt, a imparcialidade. À vista disso, no que diz respeito aos juízos de gosto, suscita-se um prazer ‘desinteressado’; o qual decorre do fato de o olhar dirigido aos objetos, que em um primeiro momento é externo, tornar-se distinto, passando a conter um sentido interno que é capaz de perceber o particular, pois sua observação tem a perspectiva da totalidade. Em outras palavras, a faculdade da imaginação, portanto, tem a habilidade de apresentar ao sentido interno alguma coisa que, necessariamente, não se encontra externalizada. Este procedimento, por conseguinte, promove uma escolha, direcionada ao gosto, a qual pode ou não agradar. Destarte, Arendt aponta para um momento subseqüente, o qual implica a atitude tomada diante da escolha, a saber: a reflexão, que é a atitude refletida diante da escolha realizada pelo gosto, o que, supostamente, gera um prazer complementar.

Estas relações fazem com que Arendt se volte a outras duas dimensões, a do ator e a do espectador. Ressalte-se que o espectador é aquele que percebe o particular a partir da perspectiva da totalidade, ao passo que o ator aparece como quem vê apenas a parte deste todo que lhe compete. Todavia, o ator subsiste apenas frente ao espectador, e este, por seu turno, necessita do que apreciar. Ora, para além dos termos ator e espectador, o que de fato se verifica é a tensão premente entre o indivíduo que age e aqueles que contemplam, permitem e se inserem na ação. Em outras palavras, Arendt se posiciona frente à comunicabilidade, visto que os critérios para as diferentes escolhas residem, justamente, na “publicidade ou comunicabilidade” da sensação; afinal, os juízos estéticos, análogos aos juízos políticos, aparecem à Arendt — apesar de incidirem sempre sobre um particular — como uma pretensão geral, a qual se dá através do ‘sensus comunis’.

A relação, portanto, entre o ator e o espectador remete-nos à linguagem, e isso em virtude destes se encontrarem inseridos na dimensão pública; donde o gosto emergir como um apelo à intersubjetividade; logo, atores e espectadores tornam-se partícipes da ação política, visto que toda e qualquer ação humana somente se realiza na presença do outro. Ademais, todos somos, simultaneamente, atores e espectadores. Ou seja, por um lado, enquanto espectadores, agimos como quem determina o pertencimento ou não do acontecimento na história, ou seja, o julgamento se realiza na validação de atos e criação de padrões a serem seguidos. Por outro lado, enquanto atores, julgamos não a ação de outrem, mas, isto sim, a nossa própria ação. Entre uma e outra ação, cabe ao ator refletir sobre o ato realizado, de modo a poder — mesmo na imprevisibilidade e irreversibilidade inerentes a qualquer ação — não revertê-la, mas antes, atenuá-la com futuros atos, de sorte a coibir possíveis erros vindouros. Em outras palavras, o ator, na avaliação de seus atos através do juízo, mesmo não sendo capaz de apagar ou reverter uma determinada ação, pode, em ações posteriores, gerar efeitos atenuantes ou solidificar as ações precedentes. Donde se entender as razões pelas quais os juízos estéticos se tornam análogos aos juízos políticos, haja vista o fato de que, com a faculdade do julgar, o ator, na execução de seus atos, é capaz de conferir dignidade a suas ações, de modo a conferir-se, conseqüentemente, dignidade política. Afinal, o próprio ato de dizer que algo proporciona ou não prazer se vincula ao ‘sensus communis’, na medida em que tanto o ator que a executa quanto o espectador que a valida ou não são comparticipantes da ação. Vale frisar que os papéis não são fixos, fazendo de cada qual, simultaneamente, atores e espectadores de uma mesma ação. O julgar, portanto, acaba por ganhar um sentido comunitário, haja vista que, por meio da reflexão, recorre necessariamente à comunicação, de modo a que todos os concernidos reflitam, ou seja, julguem aquilo que é, em princípio, apenas um ato isolado do sujeito que o realiza.

Assim sendo, tendo em vista a indissociabilidade da ação entre ator e espectador, Arendt se volta para a analítica do belo de modo a vincular os juízos reflexionantes estéticos às reflexões políticas. Afinal, é fato que a posse de valores fundamentais, os quais orientem o pensamento no cotidiano, aparece como algo incerto. Decerto, a razão pela qual Arendt se preocupa com a atividade de julgar é o que a leva a fundamentar uma subseqüente analogia entre os juízos estéticos e os políticos. E, conquanto pareça díspar e por vezes controversa a aproximação estabelecida, há um elemento comum entre ambos que justifica tal analogia, a saber: a capacidade de refletir sobre o particular sem que se tenha, para tanto, o universal como algo já dado. Ora, isso decorre do fato de que, tanto na política quanto na estética, o que efetivamente existe é o singular; o singular presentificado que emerge sem a ingerência de um universal a priori, o qual, haja vista que não está previamente dado, deve ser buscado. Em outras palavras, e seguindo a linha de raciocínio arendtiana, percebe-se que nos juízos estéticos kantianos não se encontram conceitos dados acerca do que seja, por exemplo, ‘o belo’, mas antes, o que se verifica é a inexistência do próprio conceito, e isso, evidentemente, na medida em que o universal deve ser procurado pelo indivíduo a cada novo juízo realizado. Tal como nos juízos estéticos, algo similar também ocorre nos juízos políticos, visto que, por não existirem regras gerais para a orientação ou escolha de valores fundamentais, o que se tem em mãos são apenas os eventos e as situações singulares, tornando-se necessária, portanto, a busca dessas regras gerais que se proponham universais. Frente à constatação de que os indivíduos seguem normas, regras e padrões de modo totalmente irrefletido, isto é, sem se perguntarem se estas normas e regras são ou não justas, percebe-se que estes acabam abdicando do pensamento e colocando, em seu lugar, a obediência irracional ao ditame estabelecido. Arendt pontua esta recorrência a partir da posição assumida por Eichmann, haja vista que o oficial do III Reich renega o pensamento reflexivo em favor da cega obediência ao Nazismo, traduzindo-o como um ‘Imperativo Categórico’ inquestionável.

Decerto, o problema pontuado por Arendt reside no fato de as regras serem aceitas irrefletidamente, o que faz dos fenômenos totalitários exemplos fiéis dessa ausência da reflexão e do juízo. Em outras palavras, a política implica pensar, de modo que os atores da ação sejam capazes de levar em conta a perspectiva dos demais, bem como aqueles que se encontram na posição de espectadores possam não aderir pura e simplesmente às regras já estabelecidas, mas, isto sim, sejam capazes de conciliar pensamento e juízo.

No que concerne aos fenômenos totalitários, como é o caso do nazismo, Arendt entende que a adesão da grande maioria da população se dá em virtude desta irreflexão, a qual consente em uma obediência a regras postas sem que, para tanto, haja um julgamento das mesmas. Aqueles que, porventura, não aderem, como o caso de poucos que resistiram aos preceitos de Hitler e de Stalin, o fazem justamente por terem sido capazes de refletir, utilizando-se do juízo para não acatarem cegamente as regras externas. Em outros termos, certos indivíduos, diante de fatos particulares, buscam o universal a partir de uma reflexão e ajuizamento próprios, sem a ingerência de regras prévias de comando, isto é, sem obedecerem ao que já havia sido determinado antecipadamente. Os indivíduos que não aderem aos movimentos totalitários não o fazem porque possuem, previamente, conceitos universais de bem, ao passo que aqueles que seguem incontestes as regras se encontram amparados por sentimentos intrínsecos de mal; as atitudes diferem pela capacidade ou não de cada qual refletir e julgar por si mesmo. E, mesmo o pensamento mostrando-se como uma ocupação solitária, como afirma Arendt, o homem está para além dessa dimensão, visto que este só realiza plenamente sua conditio humanæ na pluralidade inerente à ação. Sendo assim, no que diz respeito ao pensamento, cada homem comporta internamente uma espécie de outro, há um espectador de si mesmo, um inquiridor que nos indaga quando pensamos. Logo, além de nunca nos encontrarmos sós, por comportarmos um outro permanente, este mesmo outro presente no ato de pensar está vinculado aos demais homens de nosso convívio, isto é, vincula-se à pluralidade. Arendt, portanto, traduz o ‘colocar-se no lugar do outro’ junto à afirmação kantiana do § 40, apresentada na segunda máxima do entendimento humano; ou seja, nas situações limite, as figuras do ator e espectador caminham juntas, haja vista que toda ação concreta possui por base o exercício reflexivo.

Não te dei, ó Adão, nem rosto, nem um lugar que te seja próprio, nem qualquer dom particular, para que teu rosto, teu lugar e teus dons, os desejes, os conquistes e sejas tu mesmo a possuí-los. Encerra a natureza outras espécies em leis por mim estabelecidas. Mas tu, que não conheces qualquer limite, só mercê do teu arbítrio, em cujas mãos te coloquei, te defines a ti próprio. Coloquei-te no centro do mundo, para que melhor possas contemplar o que o mundo contém. Não te fiz nem celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal, para que tu, livremente, tal como um bom pintor ou um hábil escultor, dês acabamento à forma que te é própria[20].

Aluindo a uma relação entre poema de Pico de la Mirandola e a filosofia de Hannah Arendt, percebe-se que para além do político, o homem se insere em uma realidade múltipla, na qual a sua pluralidade permite erigir uma ação pautada em um tipo de Éthos. Afinal, o ser humano se define também pela capacidade de simbolização, tendência para a verdade e busca de sentido, um sentido que lhe dê dignidade e o faça pertencente à comunidade de homens. Entendendo-se como livre, não necessita nem rosto nem um lugar que lhe seja próprio, e já que não foi feito nem celeste nem terrestre, sua razon d’Étre consiste em fazer-se. Se Hannah Arendt não tratou especificamente da Ética, sua obra abre uma possibilidade de se falar de juízos éticos. Contudo, o Éthos de Arendt evoca um sentido maior, o ‘dar-sentido’ evocado pelos juízos estéticos. Talvez não uma estética, mas, como os gregos, uma Aísthesis. E já que “Política é magia. Quem sabe invocar as forças das profundezas, a este seguirão”[21].

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA

ARENDT, Hannah. A dignidade da política. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.

______. A Vida do Espírito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.

______. Lições sobre a Filosofia Política de Kant. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

DUARTE, André. Pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.


KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. de Manuela Pinto dos Santos; trad., introd. e notas de Alexandre Morujão. 4 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.

LÉVINAS, Emmanuel. O eu e a totalidade. In: Entre nós. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997.




[1] ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1992. p. 132.

[2] DUARTE, A. O Pensamento à Sombra da Ruptura. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 346.

[3] ARENDT. “Pensamento e Considerações Morais”. A Dignidade da Política. Rio de Janeiro, Relume Dumará. 1993.p. 149.

[4] KANT. Apud ARENDT. Idem, ibidem. p. 149

[5] Idem, ibidem. p. 151.

[6] Idem, ibidem. p. 159.

[7] Ibidem.

[8] Idem, ibidem. p. 160.

[9] Ibidem.

[10] Idem, ibidem. p.161.8.

[11] Idem, ibidem. p.162.

[12] Idem, ibidem. p.163.

[13] DUARTE. O Pensamento à Sombra da Ruptura. Op.cit. p. 355.

[14] SHAKESPEARE, W. Apud ARENDT. Pensamento e Considerações Morais. Op.cit. p. 166.

[15] Ibidem.

[16] ARENDT. Pensamento e Considerações Morais. Op.cit. p. 166.

[17] Ibidem.

[18] Idem, ibidem. p.167.

[19] Idem, ibidem. p.168.

[20] Pico de la Mirandola Apud LÉVINAS, Emmanuel. O eu e a totalidade. In: Entre nós. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 98.

[21] Hugo von Hofmannsthal. Buch der Freunde.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

TERROR E FILOSOFIA: UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA A PARTIR DO OLHAR DE ARENDT E CAMUS (Texto Publicado) por Georgia Amitrano



Em seu maior esforço, o homem só pode propor-se a diminuição aritmética do sofrimento do mundo. Mas a injustiça e o sofrimento permanecerão e, por mais limitado que sejam, não deixarão de ser um escândalo. O “por quê” de Dimitri Karamazov continuará a ecoar; a arte e a revolta só morrerão com a morte do último homem [1].

Durante mais de uma década, entre 1989 e 2001 — no período pós ‘Queda do Muro de Berlim’, fim da União Soviética —, os teóricos da política não se pronunciaram de forma contundente acerca da manutenção de estados totalitários, e tampouco teorizou-se muito acerca das práticas de terror, mesmo estas se encontrando tão evidentes, como o ‘Massacre de Srebrenica’[2]. Os críticos do paradigma totalitário mantiveram-se em um linear no qual forçaram o tempo e inutilmente estudaram a história através das lentes de interesses políticos, ou com o alvo de julgar o valor moral de ações particulares. Finalmente, a temática emergiu com o 11 de setembro nos EUA. Afinal, parece que o mundo se deu conta de que há um tipo específico de guerra, ‘ambígua e etiquetada no terror’. Entrementes, esta nova guerra foi concebida como o encontro de “um tipo novo de totalitarismo”, escorado na ideologia do fundamentalismo Islâmico.
Ora, decerto não nos é possível apontar para o fundamentalismo islâmico como um advento moderno, sequer podemos falar abertamente de um fundamentalismo islâmico[3] ou generalizar o universo árabe. Afinal, se há bases para serem confrontadas estas não dizem respeito ao universo do mundo oriental; antes, fazem parte do universo Europeu, isto é, do ocidente do qual somos partícipes. É por esta razão que os principais teóricos do totalitarismo resistiram e subscreveram uma aproximação fundamental nas bases dos regimes totalitários empreendidos pelo Nazismo e pelo o Stalinismo; entre o Bolchevismo e os projetos revolucionários Socialistas nacionais.
Como o fumante que reivindica não haver nada mais fácil que o hábito de fumar, esquecendo as conseqüências advindas de tal hábito, as teorias do totalitarismo encontravam-se esquecidas, relegadas a um contexto triste, mas passado, da história da humanidade. Repentinamente ela renasce com vigor novo. Contudo, as bases para seu ressurgimento se encontram ambíguas, necessitando serem revisitadas e articuladas com o passado que não ficou esquecido. Inspirado no paradigma totalitário articulado pelos pensamentos de Hannah Arendt e Albert Camus, faz-se mister entender que o advento totalitário, concomitante com a implementação das práticas de terror, soergue-se como um problema contemporâneo, o qual, advindo do conceito originário de política, mantém a pergunta filosófica, a saber:
Qual a definição de homem? Quem se encaixa nesta?
Afinal, com o século XX, um limite é transgredido; ou seja, ultrapassa-se a um determinado nível da barbárie. Trata-se agora de uma barbárie especificamente moderna, do ponto de vista de seu ethos, de sua ideologia, de seus meios e de sua estrutura. Nesse compasso, o homem do Aufklãrung kantiano, que nascera junto com a Revolução Francesa e que aguardava pela emancipação e liberdade de sua conditio, pereceu diante da incerteza de ter ele mesmo salvaguardado o sentido de sua humanidade. A sociedade que emerge pós a Iluminação, decerto se encontra entrincheirada pela violência, pelo terror e pelo crime de lógica emergentes. A civilização contemporânea, portanto, no lugar de encontrar a pausa da respiração — tal qual Sísifo, no sopé da montanha — vivencia a exaustão da barbárie moderna. O sentido da política corrompe-se, os conceitos não dão mais conta nem do mundo nem do homem que emergem, e a filosofia precisa construir-se novamente.
A questão que permeia a noção de terror e as práticas que implementam um sentido moderno à barbárie são inauguradas com o advento da I Grande Guerra e todo o seu entorno. Não é em vão que Hannah Arendt e Albert Camus referem-se aos escritos de Roxa Luxemburgo e Franz Kafka. Ambos têm em comum o fato de terem tido a intuição de que alguma coisa sem precedente estava por vir no curso daquela guerra.
É Rosa Luxemburgo, ao usar a palavra de ordem “socialismo ou barbárie”[4] — em A crise da social-democracia, de 1915 — quem rompe com a concepção de que a história aparece como um progresso irresistível, inevitável e ‘garantido’ pelas leis ‘objetivas’ do desenvolvimento econômico ou da evolução social. Este termo implica a percepção da história como processo aberto, isto é, como uma série de bifurcações, no qual o “fator subjetivo” — consciência, organização, iniciativa — dos oprimidos torna-se decisivo. Não se trata mais de esperar que o fruto amadureça, segundo as “leis naturais” da economia ou da história, mas de agir antes que seja tarde demais. Decerto, a outra alternativa é um sinistro perigo: a barbárie. Em princípio podemos pensar que esta alternativa perigosa é um retrocesso, a “recaída na barbárie” como “a aniquilação da civilização”, uma decadência análoga àquela da Roma antiga[5] .
Contudo, não se trata de uma impossível ‘regressão’ a um passado tribal, primitivo ou ‘selvagem’; antes, a barbárie que se evidencia é eminentemente moderna, da qual a Primeira Guerra Mundial dá um exemplo surpreendente, bem pior em sua desumanidade assassina que as práticas guerreiras dos conquistadores ‘bárbaros’ do fim do Império Romano. Jamais havia se visto o uso de tecnologias tão modernas — os tanques, o gás, a aviação militar — colocadas ao serviço de uma política de massacre e de agressão em uma escala tão imensa.

Rosa recusava categoricamente, do princípio ao fim, em ver na guerra outra coisa senão a mais terrível catástrofe, sem importar qual fosse seu resultado final; o preço de vidas humanas [...] seria alto demais sob quaisquer circunstâncias[6].

Ao escrever A Colônia Penal, em que “máquina de poder” bárbara ou em que “aparelho da autoridade” sacrificador de vidas humanas pensava Kafka? Escrita em outubro de 1914, três meses após a eclosão da grande guerra, esta obra de Kafka apresenta de maneira tão penetrante a lógica mortífera da barbárie moderna como mecanismo impessoal. É sob a forma literária que as intuições de Kafka descrevem a nova barbárie. Em A colônia penal, um soldado indígena é condenado à morte por oficiais cuja doutrina jurídica resume em poucas palavras a quintessência do arbitrário: “a culpabilidade não deve jamais ser colocada em dúvida!”. Sua execução deve ser cumprida por uma máquina de tortura que escreve lentamente sobre seu corpo com agulhas que o atravessam a frase “Honra teus superiores”.
Toda a narrativa kafkaniana gira em torno de um sinistro aparelho (Apparat) que parece mais e mais no curso da explicação detalhada que o oficial dá a um viajante como um fim em si mesmo. O Apparat não existe para executar o homem; antes, é o homem que existe pelo Aparelho, de modo a fornecer um corpo sobre o qual ele possa escrever sua obra-prima estética, sua inscrição sangrenta ilustrada de “muitos florilégios e ornamentos”. O oficial mesmo é apenas um servidor da Máquina e, finalmente, ele mesmo se sacrifica a esse insaciável poder aniquilador[7].
O Apparat romanceado por Kafka é o mesmo diagnosticado por Rosa de Luxemburgo, no qual a barbárie é inominável. Os massacres do último século encarnam muito bem, e de maneira mais acabada a modernidade da barbárie. Para além do genocídio empreendido pelos nazistas, os Gulags stalinistas e as bombas atômicas que arrasaram Hiroshima e Nagazak, encontramos a destruição de Guernica[8] no ano de 1937, o massacre bósnio na década de noventa, o genocídio do Timor, dentre outros menos noticiados. Em comum, todos esses exemplos contêm praticamente todos os ingredientes da barbárie tecno-burocrata moderna.
Auschwitz com certeza representa a modernidade, não somente pela sua estrutura material, como a ‘fábrica da morte’ que cientificamente organizada utiliza as técnicas mais eficazes, mas também como um dos possíveis resultados do processo civilizador como racionalização e centralização da violência e como produção social da indiferença e da minimização da conditio humanæ. A ideologia legitimadora do genocídio é ‘pseudo-científica’, biológica e eugenista, possuindo suas bases em um dado aparato jurídico, que se vale da exceção. A utilização obsessiva desses recursos é tanto característica do discurso anti-semita dos dirigentes nazistas quanto do discurso.de Islobodan Milosevic, responsável pelo massacre de Srebrenica em 1995.
Encontra-se nos meios de exterminação, algo como já sublinhara Marcuse, a transformação da razão ocidental em força destrutiva[9].
Não há nada no passado que seja comparável à produção industrial, científica, anônima e racionalmente administrada da morte nesses últimos séculos. Basta comparar Auschwitz e Hiroshima com as práticas guerreiras das tribos bárbaras do século IV para percebermos que eles não têm nada em comum. São fenômenos inteiramente novos, que não seriam possíveis senão no século XX. As atrocidades de massa, tecnologicamente aperfeiçoadas e burocraticamente organizadas, pertencem unicamente à nossa civilização.
É nesse sentido que levar em conta a barbárie moderna nos exige o abandono da ideologia do progresso linear e uma nova interpretação da história.
É neste ponto que os pensamentos de Hannah Arendt e de Albert Camus convergem. Afinal, estes representantes da “génération résistence”, a qual vivenciou as algias da Segunda Grande Guerra, pensaram a política contemporânea como algo novo que necessita ser laborado. Ambos foram cientes de que o século XX foi capaz de minimizar a condição humana de modo mais exacerbado. O totalitarismo, tal como foi consolidado, apresenta-se como um fenômeno de ruptura, eliminando com qualquer ideal de política e com a noção primeva de poder; tornando-se, destarte, um dos principais corroboradores para a legitimação da violência e do assassinato, por meio de seu aparato jurídico-social-científico. Ora, esses dois intelectuais — como alude Issac —, possuem seus pensamentos acoplados em um mesmo processo, a saber: compreender a conditio humanæ a partir da desnaturação da política. Ademais, ambos perceberam que o radicalismo político engendrado nos dois últimos séculos revelou-se como uma inadequação, e isso tanto no que concerne ao liberalismo quanto ao Marxismo Estes dois modelos de Estado, os quais visavam à liberdade do homem, tornaram-se, isto sim, cúmplices na ascensão do totalitarismo e, consequentemente, na minimização da conditio humanæ. Consoante Arendt,



Os habitantes de um país totalitário são arremessados e engolfados num processo de natureza ou da história para que se acelere o seu movimento; como tal, só podem ser carrascos ou vítimas da sua lei inseparável [...]. Aquilo de que o sistema totalitário precisa para guiar a conduta dos seus súditos é um preparo para que cada um se ajuste igualmente bem ao papel de carrasco e ao papel de vítima. Essa preparação bilateral, que substitui o princípio da ação, é a ideologia[10].

É de suma importância ainda frisar que as filosofias de Arendt e de Camus não se circunscreveram apenas em um recorte histórico trágico da humanidade; mas, isto sim, apontam para um problema filosófico genuíno, a saber: a filosofia não possui um arcabouço conceitual que dê conta dos problemas advindos com o nascimento do homem contemporâneo. De fato, é na visão de uma “política revoltada” que Arendt e Camus compartilham suas idéias, percebendo que conceitos não são pontes fixas, antecipando o que anos mais tarde Gilles Deleuze escreveria:



A filosofia não é a simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos [...]. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos. [...] O conceito é um incorporal, embora se encarne ou se efetue nos corpos. Mas, justamente, não se confunde com o estado das coisas no qual se efetua. Não tem coordenadas espaço-temporais, mas apenas ordenadas intensivas. Não tem energia, mas somente intensidade, é anergético. [...] O conceito diz o acontecimento, não a essência ou a coisa[11].

À vista disso, percebe-se que para Camus, assim como para Arendt, é urgente a necessidade de se criar um novo universo conceitual capaz de dar conta ou pelo menos tentar entender este mundo que surge. Afinal, ambos escolhem a criação; enquanto Camus se joga na arte revoltada, Arendt deixa-se levar pela mágica da Existenz: comparticipam a escolha pelo sensível, pelo vivido. A ‘moderna rebelião’ empreendida por estes pensadores que viveram seus ‘tempos sombrios’ não se fecha; antes, deixa-se inconclusa, obrigando-nos a abri-la com outros.

[1] CAMUS, A. O Homem Revoltado. Op.Cit., p. 347.
[2] Massacre de Srebrenica foi a matança, em julho de 1995, de até 8.373 bósnios, variando em idade de adolescentes a idosos, na região de Srebrenica na Bósnia Herzegovina pelo Exército Sérvio da Bósnia, sob o comando do General Ratko Mladić e com a participação do forças especiais da Sérvia conhecidos como “Escorpiões”. O massacre incluiu várias ocasiões onde crianças e mulheres foram assassinadas.O massacre de Srebrenica é o maior assassinato em massa da Europa desde a Segunda Guerra Mundial, e é considerado por muitos como um dos eventos mais terríveis da história européia recente. Foi o primeiro caso legalmente reconhecido de genocídio na Europa depois do Holocausto. De acordo com o Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iuguslávia (International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia - ICTY), ao tentar eliminar uma parte da população bósnia, as forças sérvias cometeram genocídio. Elas pretenderam a extinção de 40 mil bósnios que viviam em Srebrenica, um grupo emblemático dos bósnios em geral.
[3] O Islamismo transcende as fronteiras do mundo árabe e, hoje, se crê haver mais islâmicos na Europa que na região árabe de conflitos.
[4] Apesar de o termo ser sugerido por certos textos de Marx ou de Engels, é com Rosa que essa formulação se torna explícita e elaborada.
[5] LUXEMBURGO, R. A crise da social-democracia, 1915.
[6] ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 54.
[7] KAFKA, Franz. O Veredicto e Na Colônia Penal. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
[8] A 26 de Abril de 1937, segunda-feira, a cidade de Guernica, a 30 km da frente da guerra civil espanhola, foi bombardeada das dezesseis horas e quarenta e três minutos às dezenove horas e quarenta e cinco minutos. Dois dias depois, os franquistas ocuparam a cidade “Guernica, a mais antiga cidade dos bascos, centro de suas tradições culturais, foi completamente destruída ontem à tarde por um reide aéreo dos revoltosos. O bombardeio dessa cidade aberta, muito atrás das linhas de combate, durou três horas e quinze minutos, durante as quais uma poderosa esquadra aérea alemã, composta de bombardeiros Junker e Heinkel, e caças Heinkel, não parava de despejar sobre a cidade bombas de 1000 libras e, calcula-se, mais de 3000 projéteis incendiários de 2 libras, de lumínio. Ao mesmo tempo, os caças mergulhavam sobre a cidade para metralhar a parte da população civil refugiada nos campos(...)”. The Times, de 28 de abril de 1937.
[9] Sua análise da burocracia como máquina “desumanizada”, impessoal, sem amor nem paixão, indiferente a tudo aquilo que não é sua tarefa hierárquica, é essencial para compreender a lógica reificada dos campos da morte.
[10] ARENDT, Hannah. A condição humana. Op.Cit., p. 196.
[11] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Que é aFilosofia ? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, pp. 13. 33.