domingo, 2 de outubro de 2011

A Compreensão de Homem na Contemporaneidade

Georgia Amitrano

Artigo publicado na Revista Critério
 

Resumo

Ao longo dos dois últimos séculos, o homem foi capaz de erigir regimes pautados no terror e no genocídio, bem como um modelo de homem pré-determinado por uma dada ordenação social e jurídica. Em última instância, o que se tem, com efeito, é um caráter totalmente artificial do que seja a igualdade entre os homens, visto que estes acabam sendo reduzidos, tanto pelo Direito quanto pela política, a 'meros integrantes da espécie humana'. Tal fato, provavelmente, justifica o extermínio nos diferentes regimes totalitários, e isto porque reduzem o homem à mínima porção que este possa ter, privando-o, destarte, de todo e qualquer direito, até mesmo o da própria vida. Assim, faz-se mister problematizar as questões inerentes a uma filosofia política e a uma ética capazes de abarcar não apenas os problemas que concernem a estes conceitos tradicionais, mas antes, àqueles que 'transvaloram' e buscam construir novas perspectivas no âmbito político, resgatando a política como um conceito filosófico constitutivo da conditio humanæ. Ora, é a partir de uma problemática apontada por Michel Foucault - o biopoder e racismo, suas funções e áreas de aplicação -, que se verifica a necessidade de um diálogo entre pensadores contemporâneos os quais, utilizando-se ou não do termo 'biopoder', comparticipam da mesma questão. Ademais, cabe salientar o fato de que a sociedade contemporânea emerge como um ponto de aplicação das intervenções governamentais, bem como sua política se estrutura na formalização de duas faces de um mesmo fenômeno, a saber: uma sociedade que, por um lado, aparece empreendedora e, por outro, erige-se em bases judiciárias. Tal postura, decerto, enuncia a existência de um Estado ambíguo que, na 'intenção' de preservar liberdade e igualdade, irrompe como um 'estado de exceção', coibindo ações as quais não se encontrem em conformidade com uma certa construção de 'mundo comum'. Nesse sentido, o presente trabalho pretende apontar para as razões pelas quais a filosofia, imbuída de um caráter legal, acata não apenas o extermínio do outro, mas antes, sua necessidade lógica. Ou seja, através de autores como Foucault, Agamben, Arendt e Camus, compreender que a característica da era contemporânea consiste no crime efetuado pela razão, haja vista que o assassinato moderno necessita de toda uma operação logística para ser efetuado; apontando, desse modo, para o fato de, na sociedade contemporânea, existir uma justificativa, tanto jurídica quanto filosófica, para a implementação do genocídio, visto que aquele a quem desejo matar não pertence ao meu conceito de homem. A exemplo disso, vê-se, no nazismo, os crimes contra os judeus, ciganos e Testemunhas de Jeová, dentre outros grupos. Todavia, cabe ressalvar, há ainda outros exemplos que, mesmo apresentando-se menos explícitos, são, na verdade, tão cruéis e legítimos quanto os acima citados. O presente trabalho, portanto, visa à compreensão do problema da definição do que seja o homem na contemporaneidade, e do que seja sua 'natureza'; afinal, esta se encontra relacionada a um caráter artificial que imputa à condição humana uma determinada política e ordenação cultural.

Palavras-chave: Liberdade; igualdade; biopoder; biopolítica; condição humana.


O ato de matar a individualidade do homem, de destruir a sua singularidade, fruto da natureza, da vontade e do destino, condição de todas as relações humanas, cria um horror que de longe ultrapassa a ofensa da pessoa político-jurídica e o desespero da pessoa moral [...]. O terror [...] não é o bem estar dos homens nem o interesse de um homem, mas a fabricação da humanidade, elimina os indivíduos pelo bem da espécie, sacrifica as "partes" em benefício do "todo" 1

É fato que a sociedade contemporânea emerge como um ponto de aplicação das intervenções governamentais, bem como é fato que sua política se estrutura na formalização de duas faces de um mesmo fenômeno - advindos da Revolução Francesa -, a saber: de uma sociedade que, por um lado, aparece empreendedora e, por outro, erige-se em bases judiciárias. Tendo isso em vista, faz-se mister salientar a relevância de se apontar para questões que marcaram e ainda marcam a esfera filosófico-política, da qual o homem, principalmente no último século, se tornou, de modo sui generis, partícipe. Ora, o que se verifica ao longo dos dois últimos séculos é a construção de regimes pautados no terror e no genocídio, bem como a institucionalização de um modelo de homem pré-determinado por uma prévia ordenação científico/social e jurídica. Em última instância, o que se tem, com efeito, é um caráter totalmente artificial do que seja a igualdade entre os homens, visto que estes acabam sendo reduzidos, tanto pelo Direito quanto pela política e ciência, a 'meros integrantes da espécie humana'. Em outras palavras, o pensamento filosófico-político contemporâneo é marcado por uma relação complexa, a saber: a sobreposição da vida em relação à política. Neste compasso, alguns conceitos acabam se entrelaçando e adquirindo contornos dantes distintos, seguindo-se daí que as relações entre poder, violência e força passam a configurar uma esfera comum, perdendo suas definições originárias, e tornando-se, destarte, sinonimizadas. Tal sinonimização gera, por conseguinte, uma inversão entre o concebido como pré-político e o político; subseqüentemente, estabelece-se uma relação necessária entre a esfera do bios e a da política.
Como ressalta Arendt, a esfera da bios e a esfera da política não estão em contigüidade, uma vez que a elas correspondem, respectivamente, os domínios da necessidade e da liberdade: "os filósofos gregos não duvidaram de que a liberdade se localiza exclusivamente na esfera política, e que a necessidade (bios) é de maneira fundamental um fenômeno pré-político". Donde as relações de força e violência se justificarem apenas na esfera pré-política, visto constituírem os meios para dominar a necessidade e, conseqüentemente, fazer do homem um ente livre, de modo a inseri-lo no âmbito da 'vida política'. Ou seja, o âmbito do político e o da vida irrompem, na gênese do pensamento filosófico, como categorias separadas, haja vista que o homem, seja apenas como ser-vivente ou como déspota (apenas vinculado ao oikos), não está inserido na esfera pública, isto é, no lócus comum a outros homens, de tal modo que possa, na ação enquanto diálogo, ser partícipe dos negócios públicos. Contudo, a partir do final da Modernidade (século XVIII e início do XIX), com a primazia do Jurídico no estabelecimento das estruturas soberanas e dos Estados, um outro conceito clássico grego de vida, 'zoé' - o viver comum a todos os seres vivos -, emerge, tal qual destacado por Agamben, como condição sine qua non na distinção entre a 'vida com valor' e a 'vida desprovida de valor'. Aponta-se, portanto, para o fato de haver "um limiar além do qual a vida cessa de ter valor jurídico e pode, portanto, ser morta, sem que se cometa homicídio"
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.
Com efeito, tais observações visam a demonstrar que o mundo, a partir do fim da Modernidade, erige de uma identificação e de uma sobreposição do bios em relação à esfera política. A vida, bem como os domínios do corpo, isto é, o bios, que antes faziam parte da esfera pré-política, transformaram-se no eixo axial das questões políticas atuais. Ademais, a inclusão da 'vida nua', ou 'vida sacra', isto é, da zoé nos aplicativos jurídicos que sustentam toda uma ordenação governamental ou soberana, gera uma cisão entre dois conceitos dantes interligados: o humanitário e o político.
Ora, conquanto a política, no pensamento filosófico primevo, significa liberdade e ação entre homens, esta doravante tem seu sentido no controle das normas do corpo - fruto da ingerência do jurídico e do científico sobre o político e, consequentemente, deste sobre a significação e validade do bios. Segue-se daí que o paradigma entre aquilo que é definido por normal e anormal, humano e não-humano torna-se o condutor para se compreender as relações políticas, bem como as ordenações jurídicas que a envolvem. O campo do bios, que para os gregos era concebido como um domínio eminentemente privado, passa, agora, a fazer parte da esfera do social e, portanto, do político. Se havia uma raison d'étre da política, esta se vinculava diretamente à liberdade, sendo, por conseguinte, seu domínio de experiência, a ação. Tal raison d'étre, contudo, ganha um novo sentido, em face de um novo domínio entrar em cena, o do bios e, com ele, um novo conceito, o de biopolítica. Donde poder-se afirmar que, neste momento específico, vige a ambigüidade deste processo complexo. Afinal, se por um lado há quem justifique uma positividade dessa biopolítica, por outro, existe um lado obscuro desse mesmo processo, haja vista que há uma crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e cálculos do poder. Consoante Foucault, "o homem moderno [aparece] como um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente"
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. Ademais, a afirmação da biopolítica implica o deslocamento e a ampliação da deliberação sobre a morte. E isso em razão de ter o soberano, o chefe de Estado, isto é, o governante se tornado aquele que pauta sua ação em uma linha de movimento, a qual se desloca para uma relação cada vez mais ampla da vida social, de modo a fazê-lo entrar em simbiose íntima com a ciência, com a medicina, com o sacerdócio e com a ação jurídica. Nesse sentido, duas questões cruciais do âmbito filosófico-político, inerentes aos séculos XX e XXI, se entrelaçam, a saber: a política e a vida. E, com elas, a necessidade de se compreender, dentro dos dispositivos do poder, as relações intrínsecas entre biopolítica e domínios totalitários. Donde o trabalho de Arendt e Camus emergirem contiguamente aos de Foucault, ressoando nos textos de Agamben.
Ora, levando-se em consideração a diretriz arendtiana, verifica-se que a conditio humanæ é definida pela ação, isto é, pela vida política e pelo diálogo entre iguais. Assim sendo, o homem é caracterizado por ser um zoon logon ekhon (ser dotado de fala), tendo como contraposto o aneu logou (sem logos), um ente sem participação política. Entrementes, uma vida pautada unicamente na sua característica de "ser vivo" não concede, ao homem, direitos para além dos de vida e morte, visto o indivíduo pertencer unicamente ao âmbito do biológico; encontrando-se circunscrito à condição de 'mero integrante da espécie humana'. Tal fato, consequentemente, gera um problema, haja vista que aludir a uma participação política se torna paradoxal, pois, estando o homem sujeito a determinadas ordenações jurídicas que o impelem ou não à condição de ser humano, tem-se por resultado a ausência de liberdade. Subsequentemente, as "conquistas políticas", dantes perpetradas na esfera pública, passam a ser fundadas, unicamente, ou em uma aceitação passiva ou em mecanismos de violência e coerção, haja vista a privatização da esfera política e, com isso, o 'apartheid' do homem desta mesma esfera, justificando-se, assim, o extermínio de diferentes grupos de indivíduos, em diferentes regimes políticos. Isso, evidentemente, decorre do fato de o homem ser levado à mínima porção que este possa ter, privando-o, destarte, de todo e qualquer direito, até mesmo o da própria vida. Cria-se, desse modo, uma espécie de 'homo hostilis'
4, um animal vicioso e hostil que descumpre com aquilo que lhe é mais próprio, sua dialektiké, a habilidade do discurso e uso persuasivo da palavra. É neste contexto que um dado conceito se delineia aos olhos de Arendt, a saber: o de vigor, esta capacidade singular que aparece como caracterização individual e única. Tal conceito é importante na medida em que este vigor individual pode ser multiplicado pela violência, principalmente com os novos instrumentos técnico-científicos que o elevam exponencialmente. Ora, o que de fato se verifica nas instituições políticas erigidas, a partir do final da Modernidade, não é a manifestação do poder, mas antes, sua institucionalização, mais precisamente jurídica, sob a forma de força coercitiva. A violência não é poder, mas, isto sim, sua negação e, "desse poder de negação não brota o seu oposto [...] a violência não reconstrói dialeticamente o poder. Paralisa-o e o aniquila" 5. Em verdade, as instituições consideradas 'políticas', nada mais são que manifestações e materializações do poder. Entrementes,

Jamais existiu governo exclusivamente pautado na violência. Mesmo o domínio totalitário, cujo principal instrumento de dominação é a tortura, precisa de uma base de poder. [...] Mesmo a dominação mais despótica que conhecemos, o domínio do senhor sobre os escravos, que sempre o excederam em número, não se amparava em meios superiores de coerção enquanto tais, mas em uma organização superior do poder. [...] Poder é de fato a essência de todo governo, mas não a violência. A violência é por natureza instrumental 6.

É nesse sentido que toda a estrutura de formação de Estados Soberanos, desde o século XIX (com exceção da Inglaterra), aparece erigida a partir de dispositivos legais, nos quais o homem, que antes se encontrava na inocente posição de súdito, submetido às determinações 'divinas', passa a inocente defensor de uma justiça revestida de um estatuto ontológico, sendo por esta também 'amparado'. Todavia, as relações entre soberano, soberania, poder de direito e poder de fato, irrompem de bases controversas. Donde toda uma legislação e nomenclatura sócio-política - pautadas e alicerçadas em uma supremacia científica, verificada no positivismo instaurado no século XIX - estruturarem-se a partir de uma contigüidade entre o Estado e as suas relações com os cidadãos, perpetradas com a Constituição de 1792, na França. Afinal, é neste momento histórico que o homem tem sua caracterização como partícipe político de uma dada soberania a partir de seu nascimento, deixando de ser súdito para ser cidadão. E isso de tal modo que se transpassa o termo nascimento para o de nação. Os direitos, portanto, "são atribuídos ao homem, somente na medida em que ele é fundamento imediatamente dissipante, do cidadão" 7.
A Revolução Francesa, assim, insurge como o marco crucial de uma significativa mudança de paradigma, haja vista que, pela primeira vez na história, um rei é morto não para se colocar outro em seu lugar, mas antes, para se destruir um princípio, o do direito divino. Como conseqüência, a busca por um ideário de liberdade acabou engolfada por um espaço político transformado em espaço jurídico, o qual se desenvolveu, posteriormente, nas acepções de Estado-nação e, com elas, as conseqüências de uma decisão soberana acerca do que seja 'vida válida' ou 'vida sem valor', isto é, a vida mediada pela qualificação do homem como fundamento de algo ou não. Cabe ainda ressaltar que tal transfiguração se deu em razão de o verdadeiro apelo da Revolução Francesa não estar na discussão acerca da origem divina do rei, mas, isto sim, na justiça advinda desse poder, a qual é entregue nas mãos de um único homem. Donde a morte do rei poder ser assumida como algo necessário para a constituição de um espaço livre, igualitário e, melhor ainda, justo. Nesse contexto, a violência irrompe, tanto no pensamento quanto na ação revolucionária, como uma etapa necessária para a construção de um reino de virtudes. E isso porque o regicídio emerge não mais como a possibilidade de mudança do soberano, mas, isto sim, como a necessidade de mudança de estrutura governamental. Tais implicações possuem reflexos em dois âmbitos: por um lado no pensamento, surgindo como uma possibilidade mental plausível, de tal modo que se legitime o assassinato; e, por outro, nas ações ideológicas, as quais passam a ser validadas enquanto regras de conduta, de sorte que possam ser incluídas nos ditames legais, justificando, assim, o assassinato e a exclusão.
Do mesmo modo, a mudança de princípio implica uma mudança legal, isto é, jurídica, visto o direito divino não servir mais como argumento legal para as ações do Soberano. Há uma substituição no que concerne a um modelo de pensamento. Por um lado, exclui-se a aristocracia de sangue, a qual possuía seu poder na legitimidade dada pela Igreja, ou seja, em nome do poder divino. Por outro, instaura-se uma nova ordem jurídica, pautada em um "pensamento dito libertino [...], dos filósofos e dos juristas"
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, na qual os burgueses, cultos e poderosos, seriam capacitados para atender os anseios da massa. Tal substituição, cabe ressalvar, evidenciou um Estado caracterizado pelo elitismo, no qual o poder de legislar se desvirtuou em uma demonstração de concordância racional, retirando, assim, a possibilidade de aparecer como uma vontade política. Donde as práticas de controle dos corpos emergirem como possibilidade normativa de controle social, incluindo, desse modo, o campo do bios nas práticas políticas, o que, com efeito, faz da exclusão uma inserção legal.
Ora, para além da inclusão do bios no político, a tradição do pensamento filosófico-político - a partir da Modernidade, e de modo mais exacerbado pós-Revolução Industrial - construiu determinados modelos cujas representações políticas acabaram estabelecendo uma outra cisão, a saber: o distanciamento entre o 'mundo da vida'
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e o 'mundo da política', provocando, no indivíduo, um sentimento de não pertença a este último. Em outras palavras, o indivíduo tanto ausente da esfera pública quanto de uma dita esfera política, está, neste distanciamento, refém daqueles que detém um discurso privado, ou seja, o homem se torna prisioneiro de uma minoria que se arroga detentora de um dado saber. Contudo, o indivíduo dificilmente se apercebe desta ruptura e de seu subseqüente distanciamento. Neste contexto, então, os homens, enquanto partícipes do discurso, acabam relegados e, assim, não dispõem de um espaço para exercerem plenamente a ação e, conseqüentemente, sua conditio humanæ. À vista disso, pode-se perceber que a questão relativa ao espaço público se encontra no cerne dos 'paradoxos da modernidade'; entretanto, este paradoxo específico se dá em virtude de um afastamento do politikos, isto é, da experiência do homem junto a polis. A sociedade moderna baseia a igualdade no conformismo, diferindo-se, assim, da igualdade antiga, a qual tinha como mote a inserção do indivíduo livre no espaço público.
O sentido de igualdade e, subseqüentemente, a noção de liberdade sancionada a partir da Modernidade, transformaram o indivíduo em 'consenso universal', tirando do homem aquilo que lhe é mais caro, ou seja, sua distinção com relação aos demais homens. Ademais, o suposto conformismo e a idéia de que homens se comportam de um dado modo uns em relação aos outros - apregoada pela ciência moderna - corrompem a noção de ação, na qual há um agir entre homens, e não uma norma de conduta validada social e cientificamente. Nesse sentido, a noção de igualdade acabou desvirtuada, de modo a apresentar-se equivocadamente; isto é, ganhou um sentido de identificação total das partes, destituindo, assim, os indivíduos de suas singularidades. Há de se pontuar que os homens são iguais quanto às suas possibilidades, e não quanto às suas expressões, sentimentos e condutas. A liberdade, desse modo, emerge da igualdade presente no diálogo e no convencimento por meio deste, e não da uniformização de todos, o que foi e vem sendo até então apregoado. Foucault aponta muito bem para a questão ao analisar os sistemas penitenciários, educacionais e manicomiais.
Efetivamente, é possível acatar a idéia em conformidade com a qual um novo paradigma emerge diante de determinados aspectos doutrinários da representação política, advindos da Modernidade. Ou seja, diante de uma sobrelevação da idéia de sociedade enquanto uniformidade social, cria-se um impasse nas questões filosófico-políticas atuais, principalmente quanto aos eventos perpetrados no último século; cabendo apontar para o fato de que uma análise conceitual de 'espaço público' implica a observação do lócus onde as relações sociais e políticas tanto se realizam quanto se resguardam, e no qual a ação se exterioriza. Em outras palavras, faz-se mister situar este lócus como sendo a esfera do agir público, o espaço por excelência da ação livre e coletiva. Logo, a dimensão valorativa deste pensamento, o qual é consoante com o de Hannah Arendt, refere-se ao significado de público, na qual a expansão da esfera social acabou por provocar, gradativamente, o estreitamento da esfera pública, culminando no reducionismo do significado primevo de público, e sinonimizando-o com os conceitos advindos de Estado. É preciso ainda ressalvar que, justamente no 'espaço público', Arendt identifica a intrínseca relação entre liberdade e democracia, entrelaçando aquela com a condição humana da pluralidade. Tais assertivas se justificam na medida em que é efetivamente através da liberdade, através de uma ação discursiva, que a todos é permitida a manifestação no 'espaço público'. Contudo, há de se frisar que liberdade e soberania são coisas distintas, haja vista a diferença estabelecida entre força e poder. Todavia, esta mesma relação:

Sempre foi aceita como natural, tanto pelo pensamento político como pelo pensamento filosófico. Se a soberania e a liberdade fossem a mesma coisa, nenhum homem poderia ser livre; pois a soberania, o ideal da inflexível auto-suficiência e auto-domínio, contradiz a própria condição humana da pluralidade. 10

Ademais, toda soberania sempre se apresenta espúria quando reivindicada por uma entidade única e isolada, quer seja a entidade individual da pessoa quer seja a entidade dita 'coletiva' do Estado. Consoante Arendt,

A soberania reside numa limitada independência em relação à impossibilidade de calcular o futuro, e seus limites são os mesmos limites inerentes à própria faculdade de fazer e cumprir promessas. A soberania de um grupo de pessoas cuja união é mantida, não por uma vontade idêntica que, por um passe de mágica, as inspirasse a todas, mas por um propósito com o qual concordaram e somente em relação ao qual as promessas são válidas e têm o poder de obrigar, fica bem clara por sua inconteste superioridade em relação à soberania daqueles que são inteiramente livres, isentos de quaisquer promessas e desobrigados de quaisquer propósitos. 11

Uma suposta igualdade no âmbito de um Estado-político - pautado em conceitos e fundamentos erigidos a partir da modernidade - só se presentifica em um mecanismo de uniformização de entes desiguais que precisam ser "igualados" sob certos aspectos e por motivos específicos. 12 O espaço público, em seu sentido político original, estabelece a realidade do próprio 'eu' (self), isto é, da identidade própria de cada indivíduo; outrossim, estabelece a realidade do mundo circundante. Segundo Hannah Arendt, o que distingue a era Moderna não é, tal como supunha Marx, a alienação em relação ao ego 13, mas, isto sim, a alienação em relação ao mundo. Logo, o processo de alienação do sujeito em relação ao mundo faz com que surja uma atrofia do 'espaço público', e um dos fatores que mais contribuíram para o homem moderno se tornar alienado foi, decerto, a expropriação, na qual o acúmulo de riquezas e a aquisição de propriedades fizeram emergir, do mundo comum, donos privados, tornando-se, assim, o mais elementar processo de alienação do mundo do qual resultou. Neste contexto, percebe-se um deslocamento e um progressivo alargamento das decisões sobre a vida, sobre o bios humano, a qual transmuta em uma decisão sobre a morte. Tal transfiguração, alude Agamben, faz com que a biopolítica acabe se convertendo em tanatopolítica, de modo a se tornar "uma linha em movimento que se desloca para zonas sempre mais amplas da vida social, nas quais o soberano entra em simbiose cada vez mais íntima [como já aludido] não só com o jurista, mas também com o médico, com o cientista, com o perito, com o sacerdote" 14. Em outras palavras, a ingerência do soberano sobre os cidadãos torna-se uma intrusão de princípios biológico-científicos na ordem política.
Nesse sentido, Albert Camus realiza um diálogo com o pensamento arendtiano, bem como com todos os que apontam para as relações política com bases críticas na intrusão biocientífica nas leis e soberanias. Segundo o pensador argelino, toda uma 'revolta metafísica' chega, no curso do século XIX para o XX, ao ápice de sua contradição; haja vista que, na ausência de Deus, se procura por um reino único, no qual a comunidade humana possa emergir dos escombros deixados pela comunidade divina. Em outras palavras, a revolta desemboca em busca por justiça e por moral. O homem, assim, tem em vista uma liberdade absoluta; contudo, em sua procura, a única coisa com que se depara é uma "prisão de deveres absolutos, uma ascese coletiva, uma história a ser terminada"
15. A 'revolta', portanto, ao rejeitar toda e qualquer servidão, acaba por almejar possuir a criação como um todo. Donde o revoltado, que antes só desejava conquistar seu próprio ser e mantê-lo, esquece agora as origens de sua revolta, bane Deus e se une ao espírito revolucionário. Consoante Camus, "morto Deus, resta a humanidade, quer dizer, a história, que é preciso compreender e construir" 16. O homem visa, portanto, a todos os meios disponíveis para construir sua história. E,

no auge do irracional, o homem, em terra que ele sabe ser de agora em diante solitária, vai juntar-se aos crimes da razão a caminho do império dos homens. Ao "eu me revolto, logo existimos" ele acrescenta, tendo em mente prodigiosos desígnios e a própria morte da revolta: "E estamos sós" 17


Lembrando que a ideologia corrompe a singularidade do indivíduo, transfigurando-o em ente universal, pode-se perceber que o processo revolucionário burguês - que buscava a liberdade e a igualdade em um modelo de ação participativa e comunicativa -, gerou, erroneamente, um modelo privado de representação. Cria-se, desse modo, uma dicotomia e uma contraposição entre aquilo que se denomina de representação nacional e aquilo denominado por representação popular, na qual os homens interagem para garantir a isonomia e a isegoria de sua condição. A partir de então, as relações entre o bios e o político se tornaram assaz problemáticas, de modo a fazer o homem criar uma esfera de controle sistemático dos corpos e, consequentemente, das ações humanas. Tal questão denota não apenas as relações de controle dos modos de vida, mas antes, a própria transformação, formulada por juristas, desde o século XVII e, sobretudo XVIII, a propósito do direito de vida e de morte 18. Afinal, se a vida é o alicerce para se dar ou não um determinado direito a um soberano, pode-se crer que o poder sobre vida, possa, portanto, fazer parte das atribuições do soberano? Destarte, se aqueles que elegem o soberano, o fazem no afã de proteger a vida, como conjugar o binômio 'vida/morte' como atribuição do soberano? Tais questões, efetivamente mais presentes na obra de Michel Foucault, fortalecem o enlace entre perspectivas e problemas de ordem filosófico-política desde o fim da dita 'Modernidade'.
Cabe, por fim, ainda lembrar que esta questão, efetivamente, não pode ser circunscrita somente aos eventos marcados na primeira metade do século XX, do qual o Nazismo, o Fascismo e o Stalinismo foram partícipes de primeira grandeza. Na verdade, estes fenômenos nada mais fizeram do que trazer à tona uma operação logística, pautada na ciência e no Direito, que discrimina dois tipos de vida, uma, na linguagem de Agamben
19, entendida como autêntica de outra compreendida como 'vida nua'; em outras palavras, uma vida valorada politicamente e outra desprovida de qualquer valor político. A ascese do racismo, das 'crenças' eugênicas só podem, então, ser compreendidos diante deste contexto, haja vista que este se abre em um movimento crescente, o qual tem se utilizado dos mecanismos legais para fazer da exclusão e da exceção, paradoxalmente, estruturas inclusivas. Destarte, apesar do caráter contraditório destes processos, estes vêm se ampliando ao longo dos anos, abrindo brechas para organismos de controle em governos, ironicamente, entendidos como democráticos.

Notas

1 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo III. Totalitarismo, o paroxismo do poder. Rio de Janeiro: Ed. Documentário. 1979. pp .218.223.
2 AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2002. p. 146.
3 FOUCAULT, M. La volonté de savoir. Apud AGAMBEN. Op. Cit. p. 125.
4 Esta expressão é por mim utilizada no intuito de representar um novo tipo de homem o qual emerge da minimização de sua conditio humanæ; um ser desprovido de ação que, submerso na carência de uma esfera capaz de lhe conceder o status de coletivo, vê-se tentado a hostilizar outros homens.
5 LAFER, Celso. Prefácio. In ARENDT, H. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 2001. p. 9.
6 ARENDT, H. Sobre a violência. p.40.
7 AGAMBEN. Op. Cit. p. 135.
8 CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record. 1996. p. 138.
9 Isto é, na acepção husserliana, o conjunto de todas as produções do espírito humano. O mundo tal qual ele é por essência, aquele que precede tanto ontologicamente quanto cronologicamente, a artificialização da natureza.
10 ARENDT, H. A Condição Humana Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1993.p. 246.
11 Idem. p. 256.
12 Idem. p. 257.
13 Idem. p. 266.
14 AGABEM, G. Op.
Cit. p. 128.
15 CAMUS, A. Op. Cit. p. 127.
16 Idem. p. 128.
17 Ibidem.
18 FOUCAULT, Michel.
Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes. 1999. p. 287.
19 Cf. AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2002.

REFERÊNCIAS:
AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte:UFMG, 2002.
ARENDT, H. A Condição Humana Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1993
______. Origens do Totalitarismo III. Totalitarismo, o paroxismo do poder. Rio de Janeiro: Ed. Documentário. 1979.
______. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 2001
CAMUS, A. O Homem Revoltado. Rio de Janeiro: Record. 1996.
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes. 1999.
______. La volonté de savoir. Paris: Gallimard. 1976.
______. Naissance de La Biopolitique. Cours au Collège de France (1978-1979). Paris: Gallimard. 2004.
LAFER, Celso. Prefácio. In ARENDT, H. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 2001


TIMPANIZAR A FILOSOFIA:A AUSCULTA DO OUTRO NAS MARTELADAS DE NIETZSCHE


TYMPANIZE THE PHILOSOPHY:
THE AUSCULTATION OF ANOTHER IN THE NIETZSCHE’S HAMMER
Por Georgia Amitrano

Resumo:
O presente artigo visa, a partir da leitura otobiográfica de Derrida, apontar para uma possibilidade de menção a uma ética da alteridade na filosofia de Friedrich Nietzsche. Neste conceito derridiano, no qual há a escuta das vivências presentes nos escritos, deparamo-nos com o Ouvido do Outro, com uma escuta a partir da Transferência, da Tradução. É, portanto, a partir da investigação otobiográfica de Derrida que busco dar diferente sentido ao biográfico e à assinatura: o autobiográfico de Nietzsche. Destarte, o que se propõe é demonstrar que Nietzsche, mesmo não falando efetivamente do Alter, disse da diferença e da ausculta interna de ‘um Outro’ para fora do Eu e de qualquer self. Busca-se, assim, demonstrar que Nietzsche, portanto, fora quem primeiro dera o tom para que, posteriormente, tanto uma ontologia quanto uma ética da alteridade pudesse efetivamente ser forjada.

Palavras-chave: Alteridade; Otobiografia; Labirinto; Outro.

Abstract:
This article aims, from Derrida’s otobiographie, a point to mention to the possibility of an ethic of Alterity in Friedrich Nietzsche’s philosophy. In this derridian concept, in which there listening to the experiences present in the writings, we are faced with the Ear of the Other, with a wire from the transfer of Translation. It is, therefore, from Derrida otobiographical study, I search to give different meaning to the biographical and signature: the autobiography of Nietzsche. Thus, what is proposed is to demonstrate that Nietzsche, while not talking about the Alter, he talks about the difference and the internal auscultation to ‘Another’ out of me and of any self. My search aims to demonstrate that Nietzsche therefore out who first set the tone for later, both an ontology and an ethics of otherness could effectively be forged.

Key-Words: Alterity; Otobiography; Labyrinth; Other.


A filosofia invoca, em um sentido essencialmente litúrgico, o Outro, mestre ou aluno, ao qual se diz o “todo”. Por isso, precisamente, o face a face do discurso não adere nem a um sujeito ou a um objeto, difere da tematização, essencialmente adequada, porque nenhum conceito se toma da exterioridade.
(Levinas)

As Éticas contemporâneas vêm, de modo especial, tematizando a questão do Outro . Ou seja, o que emerge na atualidade do ponto de vista ético é, indubitavelmente, a temática da Alteridade, a qual tem na diferença o seu principal mote. À vista disso, paradoxalmente, o que verificamos no encontro com o Outro enquanto diferença é uma postura ambígua, a qual se manifesta — na exacerbação de seus extremos — em ações tanto de hospitalidade quanto de hostilidade. Ações perante um Outro é sempre o que nos aparece.

Diante deste quadro, cabe ao filósofo do século XXI pensar e apontar para as questões e as problematizações engendradas junto ao conceito de Alteridade de modo a poder estabelecer as razões pelas quais, na exacerbação do problema, o que nos aparece na prática e na ação junto ao Outro estar evidenciado na sua possibilidade e exceção e, por conseguinte, de exclusão de sua diferença

Ora, como escapar à perspectiva que toma o Outro enquanto objeto? Aliás, se a Alteridade traz consigo a ideia fundamental de um Outro que não é aquele que sou, como estabelecer a diferença entre o Outro enquanto objeto (cadeira, mesa, cinzeiro, por exemplo) e o Outro enquanto “um-eu-que-não-é-eu” (outro Para-si). Em outras palavras, como estabelecer a diferença entre o modo como Eu não sou o objeto e o modo como Eu não sou o “Outro-eu”, sem que para tanto absorvamos este Outro como um “Nós” absolutizado na consciência?

Desta feita, o que percebemos é a evidência do Outro como possibilidade; por que não dizer, como necessidade na compreensão das relações do homem no mundo, e isto tanto no apport para uma Teoria do Conhecimento quanto, e mais especificamente, no estabelecimento de uma Ética pautada na relação do homem com outros homens. É por esta razão que urge situar o lócus desse problema. Afinal, do que falamos ao tratarmos do conceito de Alteridade? Falamos no Outro e na possibilidade de encontros? Ou, falamos do Mesmo, e sempre da redução ao Mesmo; portanto, sem qualquer possibilidade de encontros para fora do Eu?

Há, destarte, nas perspectivas filosóficas, no mínimo duas possibilidades de compreensão do Outro e, consequentemente, tratar ou não de uma Ética da Alteridade. Vejamos as referidas perspectivas: (1) O Outro tomado como representação, que redunda que o Outro nada mais é do que o Mesmo, e; (2) O Outro tomado enquanto tal, por si mesmo — o que significa pensar esse Outro como diferença. À vista disso, percebemos que analisar o Outro abarca mais que a escolha de um caminha de mão única; antes, o que se verifica é sua existência frente à convivência mais profunda entre a Identidade e a Diferença — na observação do binômio Ipseidade / Alteridade. Afinal, contemporaneamente, pensar o homem como sujeito significa observar e problematizar a sua relação com os outros homens, haja vista a sempre presente identidade forjada na pseudo-comunicação para com outrem.

Neste contexto, alguns pensadores emergem. Isso, no entanto, não significa que ainda no século XIX a questão seja colocada. Parece que mesmo havendo uma problemática, controvérsia, que possa ser posta sobre a natureza desta abordagem – Nietzsche já engendra a questão de modo a nos fazer olhar o Outro equidistante do Eu.

Timpanizar a Filosofia: As Marteladas de Nietzsche

O ouvido é misterioso. Misterioso é o que é; o dobro é o que se pode tornar; grande ou pequeno é o que ele pode fazer ou deixar acontecer (como em laisser-faire, visto que o ouvido é o mais evidente e o órgão mais aberto, aquele que, como Freud nos lembra, a criança não pode fechar); grande ou pequena como tal, assim é a maneira pela qual se pode oferecer ou emprestar o ouvido. (DERRIDA, 1984, p. 106)

Pensar Nietzsche é também olhar para uma filosofia que diz de um pensar como ‘ser no limite’. Esta expressão, utilizada por Derrida, indica, antes de tudo que para além da ideia de “superação” de limites, de ‘ultrapassamento’ , o ‘Ser-no-limite’ como um buscar “manter-se em relação com o não-filosófico” como tal. Destarte, o Tímpano é aquilo que se encontra no limite, entre o dentro e o fora. É aquilo que suporta a tensão, a diferença de pressão e que, simultaneamente, recebe os golpes e abranda as impressões, fazendo-se ressoar. Uma filosofia à marteladas, na qual há uma íntima relação entre o bater e o ouvir, se encontra presente na filosofia de Nietzsche.

O uso da metáfora do ouvido emerge como uma possibilidade de se compreender as marteladas que se querem reverberar. Ora, isso se dá na medida em que o ouvido, como órgão, parece não poder fazer uso de todas as suas possibilidades; afinal, o que nos é apresentado diz respeito, tão somente, a seu funcionamento como mera captação acústica. Em outras palavras, o ouvido aparece como uma espécie de semi-abertura, cuja entrada, aquilo que se põe par dentro, se dá na não intencionalidade, para fora do interesse. Na filosofia de Nietzsche, o ouvido do filósofo não apenas escuta; antes, está diante de um processo ainda maior, o de ausculta; ouvindo aquilo que vem de dentro, buscando encontrar um universo de representações que não são dadas em estruturas fixas, mas, isto sim, instaurado através do movimento.

É por esta razão que, me apropriando insolitamente da metáfora derridiana, percebo em Nietzsche a ausculta advinda da conciliação entre a escuta e o labirinto. Ora o ouvido, em sua anatomia, aproxima-se da forma labiríntica e o labirinto, desde a Grécia arcaica, emerge como possibilidade de conhecimento e ‘saída para fora’ daquilo previamente tido como consumado.

Não é em vão que Nietzsche se utiliza do Mito para desenrolar seus fios filosóficos. É Ariadne que emerge na e da ausculta nietzscheana. E por que Ariadne? Ora, porque quando se fala da ausculta de Nietzsche, na conciliação entre a escuta e o labirinto, torna-se fundamental voltar ao Labirinto, que, nesse caso, possui duas conotações: (i) por um lado, se Ariadne é quem segura o novelo para Teseu no labirinto, o fio condutor que a ambos livra emerge, em Nietzsche, como o fio da moral. Ariadne possui suas orelhas grandes enquanto está vinculada ao fio de Teseu; (ii) por outro, Ariadne também é aquela que aprendeu a ouvir e que, depois de se casar com Dionísio, teve suas orelhas encurtadas.

Na metáfora do ouvido, Ariadne emerge como a que aprende a escutar. Escutar, mais que apenas ouvir, é, portanto, percorrer o labirinto das significações das forças presentes na vivência humana. Se em um primeiro momento, Ariadne toma o fio e se transforma em alma reativa ou força do ressentimento diante do espírito de negação de Teseu, participando, assim, da negação da vida , em um segundo olhar, Ariadne, ao encontrar o amor de Dionísio , entra no processo do ‘vir-a-se’r. Sua alma torna-se ativa ao mesmo tempo em que revela sua afirmação. A Transmutação de Ariadne, diante da aproximação de Dionísio, corresponde ao homem que diz sim. A ação de Ariadne é uma afirmação a sua própria existência e Condição. Dionísio, neste caso, representa não só aquele que não se reconhece no homem comum, mas antes, emerge como o além-homem em sua própria afirmação.

Para aquilo a que não se tem acesso por vivência, não se tem ouvido. [E], ninguém pode ouvir nas coisas, inclusive nos livros, mais do que já sabe. Para aquilo a que não se tem acesso por vivência, não se tem ouvido. (NIETZSCHE, 1995, p. 53).

A digressão na metáfora da ausculta, nesta ligação necessária que deve haver entre a escuta e o labirinto, a mim, parece fundamental na compreensão de um olhar ou, melhor dizendo, de uma escuta do Outro. Afinal, escutar é percorrer o labirinto das significações das forças presentes nos homens, nas suas ações e produções. Esta ausculta que escuta, em Nietzsche, se realiza nas forças presentes que são reveladas e aprendidas pelas vivências. Vivências do Eu e do Outro; vivências que não podem ser olhadas como situações objectuais, como objetos. Elas são aquilo de onde os valores e os saberes efetivados se mostram. São as afeições de seus autores.

É nesse sentido que posso falar, senão de uma Alteridade em Nietzsche, pelo menos de uma significação afirmativa acerca do Outro como Outro. Um Outro não subsumido ao Eu. Para tanto, o pensador alemão aponta para o fato de ser necessário mais que ouvidos para escutar as vivências, haja vista ninguém ter acesso à vivência do Outro, a não ser na ‘relação’, no ‘entre’, naquilo que se vivencia em comum. A metáfora da ausculta aparece, assim, como a única possibilidade de um olhar do Eu para o Outro. É preciso estar junto no mesmo labirinto, na possibilidade do caminhar junto, na certeza de que outros também perseguem fios para se poder e quere ouvir. Só se escutar aquilo que é dado por vivências, para fora do vivenciado não há ouvidos.

Há aqui quem possa argumentar acerca do acordo para com o Outro. Afinal, na impossibilidade do encontro, não havendo o comum, a vivência dentro do mesmo labirinto, então, poder-se-ia pensar uma possível alteridade emergida do acordo, do uso das palavras entre o Eu e o Outro. Nietzsche, contudo, sabe que o uso da palavra não basta para conferir a possibilidade de escuta:

Não basta utilizar as mesmas palavras para compreendermos uns aos Outros; é preciso utilizar as mesmas palavras para a mesma espécie de vivências interiores, é preciso, enfim, ter a experiência em comum com o Outro . (NIETZSCHE, 1996, p.182)

Se há uma Alteridade em Nietzsche esta se dá nas vivências, são significadas pelos textos lidos e pelos discursos ouvidos. São impulsos que “tomam a palavra, dão as ordens”.

Isso determina por fim a sua tábua de bens. As valorações de uma pessoa denunciam algo da estrutura de sua alma, e aquilo em que ela vê suas condições de vida, sua autêntica necessidade. (Nietzsche, 1996, p.183)


Da escritura nietzscheana: o Outro na abertura das orelhas

Porque é de uma mudança de ‘estilo’, dizia-o Nietzsche, que nós talvez necessitemos; e se há estilo, Nietzsche no-lo recordou, ele só pode ser plural. (DERRIDA. 1991, p. 177)

É pensando um Nietzsche que mantém sua filosofia no âmbito da afirmação, do sim, que me mantenho nas pequenas orelhas de Ariadne, esposa de Dionísio. Nas orelhas de garoto que se manifestam orgulhosas de estarem longe das grandes orelhas, as de asno. Ora, aludir a uma Alteridade no pensamento nietzscheano torna-se uma questão, aparentemente, paradoxal; tendo quem mesmo o diga, contraditória. Contudo, se mantivermos os ouvidos atentos na intenção de uma escuta, ausculta, das palavras do Outro, buscando assinar junto com ele, perceberemos que Nietzsche converte toda a negatividade presente em sua negação metódica, em uma constante afirmação. É um sim que se auto-assina; porém, este sim advindo do ‘auto’ se remete ao ouvir e ao ouvido que escuta. Ora, a escuta emerge do lugar onde coabitam labirintos, martelos, tímpanos e bigornas. Está presentificada no ‘entre’ que compõe ossos e líquidos, sem os quais não haveria o equilíbrio, o ‘entre’ dentro e fora. É a orelha, a abertura exterior que permite entrever o órgão interno. É aqui que encontramos a transnominação da relação entre o Eu e o Outro. Segundo Derrida:

A assinatura de Nietzsche não tem lugar quando ele escreve. Ele diz claramente que ela só terá lugar postumamente, de acordo com a infinita linha de crédito que ele abriu para ele mesmo, quando o Outro vier para assinar com ele, juntar-se a ele na aliança e, para isso, ouvi-lo e compreendê-lo. Para ouvi-lo, deve-se ter um ouvido de garoto. Em outras palavras, para abreviar minhas observações de um modo bem lapidar, é a orelha do Outro que assina. A orelha do Outro me diz para mim e constitui o auto da minha autobiografia. (DERRIDA, 1984, pp. 50-51.)

À vista disso, Nietzsche emerge como um pensador ‘do e para’ o Outro. Afinal, ele escrever par ao Outro. É também o Outro quem possui as orelhas que querem ouvir os rufares dos martelos de Nietzsche. Há, desse modo, um Outro sempre presente. Entrementes, deve-se acautelar. Onde está o Outro de Nietzsche?

Voltando-nos à escuta, ao pavilhão da orelha, ele, o Outro está no dentro e no fora, é e não é Nietzsche. O Outro está na Duplicidade, no ‘entre-dois’ presente ao longo de sua obra. Com Ecce Homo a duplicidade desse Outro emerge de modo peculiar. Nas palavras do próprio Nietzsche:

A fortuna de minha existência, sua singularidade talvez, está em sua fatalidade: diria, em forma de enigma, que como meu pai já morri, e como minha mãe ainda vivo e envelheço. Essa dupla ascendência, como que do mais elevado e do mais rasteiro degrau da vida [...] este foi o meu mais longo exercício, minha verdadeira experiência, se em algo vim a ser mestre foi nisso. Agora, tenho-o na mão, tenho mão bastante para deslocar perspectivas: razão primeira porque talvez somente para mim seja possível uma “transvaloração dos valores”. (NIETZSCHE. 1995, p. 25)

Ora, vemos um Nietzsche ‘entre-dois’, assumindo sua dupla origem. É fato que o pensador alemão não usa o termo ‘entre’ para expressar tal consideração; contudo, penso, tal qual Mônica Cragnolini, que a partir de uma leitura do desejo de poder nietzscheano – entendendo-o como o contínuo movimento de unificação e desagregação das forças – possamos observar um “entre” (Zwischen) das forças, haja vista a crítica de Nietzsche à noção da subjetividade moderna consistir no fato de não ser possível pensar nos termos de uma “interioridade” (Eu) e uma “exterioridade” (o Outro, os Outros) sem observarmos este “entre” supracitado.

Na otobiografia nietzscheana, o Outro é, portanto, o que possibilita que eu me escreva a mim mesmo e, consequentemente, permita que eu escreva. Nietzsche, ao escrever a si mesmo, não é ele mesmo, pois “ele escreve-se para o outro que está infinitamente longe”. Em outras palavras, “quando ele se escreve para si mesmo, ele não tem a presença imediata de si a si próprio”

Ora, para além do olhar otobiográfico, faz-se mister lembrar que Nietzsche é um crítico da suposta “autonomia do sujeito”; isto é, para ele, não há a possibilidade de o sujeito emergir como um agente capaz de programar e calcular a realidade. À vista disso, alguns outros aspectos deste olhar sobre e para o Outro, esta ‘Alteridade’ encontrada no pensamento nietzscheano pode e deve ser lida a partir de outros de seus conceitos. Ademais, não se pode esquecer o fato de ser Nietzsche considerado como o ‘Primeiro’ pensador contemporâneo da Diferença . Vejamos, então, o que Nietzsche tem a nos dizer.

Do Além-do-homem e da Transvaloração dos Valores: A Alteridade de Nietzsche

Expressado moralmente: amor ao próximo, viver para os outros e outras coisas pode ser a medida de defesa para a manutenção do mais duro dos egocentrismos.
(Nietzsche)


Nietzsche é o pensador que criticou o modo moderno de conceber a subjetividade e todo um modelo construído de moralidade a partir do advento do cristianismo; ou seja, sua filosofia questiona os pressupostos morais que sustentam as noções de livre-arbítrio e sujeito da vontade. Há, no pensamento nietzscheano, o olhar crítico de que aponta para o engodo de se supor a existência de uma liberdade inteligível para a existência que se funda em uma representação moral. A existência de um ‘sujeito consciente’ capaz de escolher por ações pré-determinadas de acordo com a moral é a falácia da Modernidade. “A ilusão acerca de si mesmo daquele que age, a suposição do livre-arbítrio, é parte desse mecanismo que seria calculado” (NIETZSCHE. 2000, p. 81)

Logo, não é possível supor que sua filosofia se expresse na construção ‘valores’ que almejem erigir uma espécie de ‘Sujeito Superior’, um ‘Super Sujeito’, representativo e dominador (como interpretou, em parte Heidegger; ou um Eu racional que se apresente como a causa consciente da sua vontade. Ademais, o pensamento de Nietzsche “dá lugar” ao estranho, e esse estranhar, essa diferença latente é o que possibilita uma atitude para dar acolhida à Alteridade. Com Nietzsche podemos pensar nos modos do Outro e não mais nos modos do Mesmo.

Em face da impossibilidade de se pensar na construção de um ‘Super Sujeito’ em Nietzsche, bem como na certeza de ser ele um crítico da ‘autonomia do sujeito’; i.é., da ideia da existência de um sujeito agente capaz de programar e calcular a realidade, haja vista, para Nietzsche isto ser pensado por meio dos termos do acaso, então, na emergência de seus conceitos, devemos problematizar a relação entre o amor fati, o além-do-homem (Übermensch) e o eterno retorno a partir da interpretação do ‘entre’ (Zwischen), do ‘estranho’ e do diferente. Por fim, é necessário compreender o ‘sim à vida’ e o resgate do conceito grego de philia na filosofia nietzscheana no processo de construção de sua ‘Alteridade’.

A partir da sentença nietzscheana, “Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo”, observamos a importância da compreensão do que seja o amor fati uma retomada do antigo pensamento grego dos filósofos estóicos , este amar o inevitável, amar o destino, amar o justo e o injusto, o próprio amor e o desamor. Ora, esse amor fati emerge como uma declaração de amor à vida e ao acaso; e, acaba se apresentando, por isso mesmo, como a tônica vital do além-do-homem (Übermensch). Afinal, este amor nietzscheano significa “ser, antes de tudo, um forte”, aceitar seu destino diante da certeza da sentença de Sileno: “Filho do acaso e do tormento! Por que me obriga a dizer-te o que seria para ti inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”. (NIETZSCHE, 2000, p. 57)

Este amor é justamente o que permite o retorno, haja vista ser ele que diz sim à vida em todos os seus aspectos, incluindo os mais afáveis e os mais terríveis, prazeres e vicissitudes. É ele que faz a diferença. É, portanto aqui, neste lócus, que Nietzsche pode pensar o além-do-homem (Übermensch) de um modo diferente e equidistante, não um ‘Super Sujeito’, mas, isto sim, uma força de superação para além da corda estendida. O sujeito, há de se destacar, não desaparece em Nietzsche; antes, é a partir da formulação do conceito de vontade de poder que ele sustenta. Esta, a vontade de poder emerge como estruturação-desestruturação das forças que permitem a constituição da subjetividade ao modo de um “entre” que chamamos de “mesmo”; constituindo, assim, a possibilidade de ‘Alteridade’.

Ora, no ressaltar a expressão “do mesmo”, Nietzsche nos coloca diante a mais um de seus conceitos entrelaçados, o pensamento do eterno retorno. Tal pensamento é o do suposto “mesmo”, sendo, a partir dele, que a diferença se faz presente. E, se faz presente, justamente, por quebrar e romper a presença. Afinal, para se pensar a diferença, é necessário antes romper com a metafísica da presença que domina o pensamento ocidental. Os animais de Zaratustra ao anunciarem a simples circularidade “do mesmo” naquilo que retorna, ao apontarem para a circularidade “sem diferença” que dá lugar à prédica da caixa de Pandora (Cf. Schopenhauer), assinalam que “Tudo é vazio, tudo é idêntico, tudo foi”. É daí que a diferença emerge, pois a decisão de afirmar o retorno é a decisão de quebrar, de romper com o “mesmo”. Nietzsche realizar mais que um corte ou uma ruptura, ele proclama em seu pensamento, uma brisura .
O amor à vida supõe aceitar essa disrupção, essa quebra do mesmo da presença. É no “voltar outra vez” do Zaratustra que Nietzsche aponta para o caráter paradoxal do eterno retorno. A afirmação do retorno “do mesmo” é o ponto do qual a ruptura da “mesmidade” emerge. Na decisão há uma quebra, rompe-se com a cadeia da repetição. Contudo, faz-se mister enfatizar que tal esta “decisão” não emerge de um sujeito que é o agente que delibera, esquematiza, comanda e age; antes, a ação se dá a partir do destino, do Selbst.

Em Nietzsche, como visto.uma das mais evidentes de suas declarações se dá na afirmação e na exortação ao amor fati. Ora, esse amor ao destino aparece como a aceitação da necessidade e isso desde a sua primeira expressão em A Gaia Ciência. Nietzsche deixa claro que sua referência ao destino é uma referência à necessidade: “Eu quero aprender mais e mais para ver como belo aquilo que é necessário para as coisas, então deve ser uma daqueles que fazem coisas bonitas. amor fati: deixar que, doravante, seja meu amor!”.

O destino de Nietzsche, a qualidade do fatídico presente em sua ontologia não deve ser entendida como uma orientação fixa e inalterável de eventos em um resultado necessário. Não é uma promessa nem uma realização eventual que se estende de alguma fonte capaz de garantir resultados, quer para si quer para a humanidade em geral. Tampouco este destino é o do mundo que conclui sua realização. A necessidade consiste no jogar-se à eventualidade dos resultados. Não há teleologia no universo de Nietzsche, nada chega ao fim. O processo que é o mundo, que é a realidade, é incessante. Em outras palavras, o destino de Nietzsche não deve ser entendido no contexto de um determinismo que toma a forma de uma finalidade na qual o mundo ou o Eu está “predestinado”. Ademais, este destino também não pode ser observado a partir de certo no sentido que se queira dar ao categórico, ao imperativo moral transcendental ao qual devamos fidelidade absoluta e sob o qual há um sentido de responsabilidade absoluta. O processo incessante, o devir contínuo do universo, não leva a nada no final, pois não há fim: “visa tornar-se nada e nada consegue”.

Nietzsche caracteriza este destino como um devenir de forças que estão relacionadas em relação ao acaso que acontece. Por essa razão mesma não se pode cogitar a existência de uma “autonomia” da decisão, tal qual o fora impetrada no sentido moderno. Destarte, a liberdade nietzscheana é a da aceitação do acaso e essa aceitação é o que produz a diferença.

E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela? (NIETZSCHE, 2004, aforismo 56)

Nietzsche desengana-nos da interpretação do amor fati como um abrangente do destino sem interpolação de liberdade ligando-o ao poético. “Só um tolo! Apenas um poeta!” (Nur Narr! Nur Dichter!). Ora, Nietzsche alude à loucura, ou ao lúdico, do poeta. Esta loucura lúdica da poesia, que já emerge no Ditirambo e no Dionisíaco, pode ser vista, em um quadro epistemológico do qual a abordagem remete-nos ao excesso, ao para além da verdade e para o seu oposto. Na diferença, o excesso é o destino de Nietzsche e este é, mais uma vez, encarnado na voz do poeta. E, Assim falou Zaratustra:

Pretendente à verdade? Tu? – escarneciam –
Não! Apenas um poeta!
Um animal, e astuto, rapinante, furtivo,
Que tem de mentir,
Que tem, ciente e voluntariamente, de mentir:
Cobiçando a presa,
Mascarado de várias cores,
Mácara para si próprio,
Para si próprio presa [...]
Isto, o pretendente à verdade?
Não! Apenas louco! Apenas poeta!
Proferindo só discursos confusos,
Gritando desordenadamente por detrás de máscaras de bobo,
Andando por cima de mentirosas pontes de palavras,
Por cima de arco-íris multicolores,
Entre falsos céus e falsas terras,
Vagueando, pairando por aí...
Apenas louco! Apenas poeta! (Nietzsche, 2000a, 4ª parte)

É, portanto, com o lúdico/loucura do poeta e da poesia, isto é, na ambiguidade e na indeterminação do núcleo metafórico da poesia, que ser é capaz de captar a verdade “indescritível” do destino. A liberdade do destino nietzscheano está, assim, na dimensão da “necessidade”, no reconhecimento do acaso que é o próprio destino. È o amor fati, aquele que advém do “não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo”.

O destino, então, é o nome para um mundo totalmente imanente, perpetuamente transitório que não está sujeita à finalização de um gol para fora dele. O amor fati, assim, emerge como o abraço do mundo, um vir a ser eterno, um “eternamente-tornar-se”. Entrementes, vale mais uma vez frisar, este “eternamente-tornar-se” não diz respeito a um “deveria ser” haja vista a ausência de qualquer imperativo. O que emerge de fato com Nietzsche é a possibilidade de um transformar-se, ser algo diferente daquilo que se é. Em outras palavras, o amor fati é o abraço de um mundo cuja ordem implícita se dá na liberdade e na necessidade: (1) a liberdade do que está livre de qualquer “deveria”, de qualquer ordem julgadora para a existência de um ser deficiente, liberdade de qualquer meta que “deveria” ser atingida; e, (2) a necessidade de ter de ser aquilo que se é; uma necessidade emergida justamente da falta de um objetivo a ser alcançado ou de uma autoridade para além do perímetro do próprio mundo é o que permite a esse mundo o seu “deve”.

A afirmação da vida, assim, é a afirmação do destino que é a vida como necessidade, e como jogo. Aludindo ao pensamento de Derrida, esta afirmação é o que determina a ausência de um centro de Ser (de uma “presença”), exceto como perda do próprio centro.
Tal interpretação deve ser ideada a partir do olhar para o jogo. Afinal, este, o jogo, é concebido ante a alternativa de ‘presença e ausência’. Em outros termos, a concepção emerge da alternativa de ser e de devir. Ora, tal interpretação não diz respeito a uma acepção “negativa, nostálgica” acerca do centro da perda de ser; antes esta emerge como “afirmação alegre do jogo do mundo e da inocência do devir”, a qual visa ultrapassar para além do conceito de homem e da falácia do humanismo.
Ora, o homem deu valores às coisas afim da autoconservação: um valor humano, e por isso mesmo inadequado ao que sejam as coisas nelas mesmas. A humanidade não existe, pois é uma abstração. O que de fato emerge do homem é a diferença.

Com Nietzsche emerge a radicalidade de uma nova concepção de diferença. Consoante Derrida,

Nietzsche, longe de permanecer simplesmente (junto a Hegel e como desejaria Heidegger) na metafísica, teria contribuído para libertar o significante de sua dependência ou de sua derivação com referência ao logos e ao conceito conexo de verdade ou de significado primeiro (DERRIDA, 1973, 22-23).

Derrida parece neste momento ser a voz que necessita falar do fenômeno nietzscheano. Afinal, ele aposta justamente no deslocamento que o pensamento nietzscheano é capaz de provocar. Não se trata, como erroneamente se tende a afirmar, de uma mera inversão; antes, o que se verifica é uma radical mudança de terreno. O deslocamento engendrado por Nietzsche deveras possui, em um primeiro momento, esta aparente inversão, a qual é necessária para a mudança mais radical. É necessário primariamente que se denuncie o pólo vigente. É o deslocamento da discussão o que realmente importa: a denúncia do primado da razão como equívoca é o ponto de partida para a afirmação do homem em sua totalidade, plenitude; isto é, como afirmação do desejo e da emoção que o caracteriza de modo mais fundamental. Ademais, a transmutação dos valores apregoada pelo pensamento nietzscheano traz consigo algo para fora do cânone filosófica, ela aponta para a diferença inerente a um novo homem que se situa para além do próprio homem.

Ora, observando de modo mais perspicaz o pensamento nietzscheano, percebe-se que aquele que aposta no fora de sua filosofia; isto é, enxerga Nietzsche como o último dos metafísicos, crendo ser seu pensamento uma consequência da supracitada inversão, não percebe o que há de mais radical no seu pensamento, a saber: a metaforicidade mesma. Há em Nietzsche a presença do estilo como possibilidade do plural, da diferença. Afinal, o deslocamento almejado se dá na mudança do terreno, o que no âmbito do pensamento do e sobre o homem diz respeito ao ‘stile même’. Porque é de uma mudança de ‘estilo’, dizia-o Nietzsche, que nós talvez necessitemos. E, se há estilo, Nietzsche bem nos faz lembrar, ele só pode ser plural.

É justamente ao encontro de um caminho que nos leve aos homens que Nietzsche indaga: o que sabe propriamente o homem sobre si mesmo! Como podemos saber quem somos se ignoramos o que nos põe em movimento.

Não lhe cala a natureza sobre tudo, mesmo sobre seu corpo, para mantê-lo […] exilado e trancado em uma consciência orgulhosa, charlatã! Ela atirou fora a chave: e ai da fatal curiosidade que através de uma fresta foi capaz de sair uma vez do cubículo da consciência e olhar para baixo, e agora pressentiu que sobre o implacável, o ávido, o insaciável, o assassino, repousa o homem na indiferença de seu não-saber, como que pendente em sonhos sobre o dorso de um tigre. (NIETZSCHE, 2007, § 1)

A natureza calou ao homem seus instintos, e o homem parou de ouvir os seus chamados.
Com os instintos esquecidos e sufocados, o homem ficou estreito, ensimesmado e fechado em direção a um tipo de intelecto mediato, puramente ferramental. Revestindo-se com o pseudoprestígio de um Deus de si mesmo, ergueu-se em um trono de valores morais. Ademais, ornou-se das glórias de uma vitória autoconferida e, embeveceu-se de sua própria arte. Ao fim, fora enganado por sua própria razão, ludibriado por si mesmo.

Aquela altivez associada ao conhecer e sentir, nuvem de cegueira pousada sobre os olhos e sentidos dos homens, engana-os pois sobre o valor da existência, ao trazer em si a mais lisonjeira das estimativas de valor sobre o próprio conhecer. Seu efeito mais geral é engano – mas mesmo os efeitos mais particulares trazem em si algo do mesmo caráter. (Idem)

O homem ‘consciente’ em sua desmesurada paixão pela razão tornara-se um cego arrogante. Agora, credulamente, ele imagina que caminha com as próprias pernas. Contudo, na cegueira de sua desmesurada razão, não se apercebe que seus movimentos são ditados por forças instintuais, das quais não se dá conta. Todo cheio de si, ele anda de cabeça erguida crendo conter em ‘suas mãos’ uma verdade última e infalível.

É também no âmbito da verdade e da mentira que um Outro pode ser vislumbrado em Nietzsche. Elas, verdade e mentira, não representam as valorações constantes acerca do bem e do mal; afinal, “diante do conhecimento puro sem consequências ele [o homem] é indiferente”. Ora, a valoração referente à verdade apenas assinala um acordo político, um ‘pacto social’ construído. É, portanto, uma criação puramente humana. O que de fato importa ao nos voltarmos ao Outro , são as implicações advindas dos contextos que envolvem tanto a verdade quanto a mentira, haja vista o homem, no seu ego recear ser prejudicado quer seja por uma, quer seja por outra.

No jogo dos resultados, são os benefícios que importam. Se for a mentira benéfica e, por conseguinte, vantajosa, logo, a verdade, em oposição às beneficies almejadas, não será, em hipótese alguma, desejada; antes, esta será, constantemente, repelida. Ao assumir uma verdade como hostil e prejudicial no âmbito do político e/ou do social, o Outro , na sua diferença para com o eu totalizado é excluído, isolado, e/ou eliminado.
Ademais, a verdade está circunscrita ao âmbito da linguagem, a qual, para Nietzsche, só existe na convenção. A verdade em si, não está acessível ao intelecto humano. O que Nietzsche defende é que a linguagem expressa as relações das coisas com o homem e nada além. É por esta razão que o homem só pode servir-se das mais audaciosas metáforas. O homem só pode dizer o que é a linguagem por metáforas.

O que é, portanto, a verdade? Uma multidão móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após de um longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: As verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas (Idem)

A única verdade, se assim podemos efetivamente chamar, que a linguagem nos permite conhecer é a verdade da convencionalidade linguística do rebanho. O verdadeiro é tão somente aquilo que está de acordo com as metáforas tidas como legítimas pelo rebanho. O que vai de encontro a essa teoria, que tem como função orientar o agir, é tido como falso, como mentira. O falso, o diferente, assim, está para fora do âmbito das convenções que se querem como verdades últimas e universais. Exclui-se o Outro em nome da artificialidade inerente nas construções de pseudoverdades.

Consoante Albert Camus, Nietzsche vai além da pura negação. Na busca por erigir um templo novo, o pensador que pulou no abismo decreta “o fim lógico de nossos chamados valores superiores” (CAMUS, 1996, p.91). Simultaneamente, vislumbra uma inteligência lúcida, fazendo do niilismo de outrora passivo, uma ascese da superação; uma possibilidade de saída do homem de sua condição de eu subjugado a um intelecto que excluiu, com muros tão altos, o próprio homem.

Nietzsche aponta, portanto, para a necessidade de um deslocamento, o qual, consoante Derrida, se dá:

Na metaforicidade do conceito, metáfora da metáfora, metáfora da própria produtividade metafórica [que pode] provocar um deslocamento e toda uma reinscrição dos valores de ciência e de verdade. (DERRIDA, 1991, p.304)

Eis a possibilidade de superação. Na corda estendida onde o homem se equilibra para fora do animal, soergue-se a possibilidade para o surgimento do além-do-homem. Este é o momento sinalizado no qual o homem “acorda e parte, sem se voltar para o que deixa atrás de si. Queima o seu texto e apaga os traços de seu passado” (Idem p.177).

Se Nietzsche não falou propriamente de um Alter, do Outro de modo estrito, ele o disse da diferença e da ausculta interna de um Outro para fora de mim. Se não falou, foi ele, Nietzsche quem deu o tom:

Aquele tom / impressão dolorosa o frio penetrante / Mas dentro desta última existência / no entanto confirmada / eu me importo / de viver ao seu redor. / A arritmia sem esforço / A extensão do seu corpo / é suficientemente diferenciada / A confusão de dois cérebros / que eu pensei extintos / Esta morte evitada...


Referências Bibliográficas:
CAMUS, Albert. O Homem Revoltado. Trad. Valerie Rumjanek. Rio de Janeiro: Record, 1996.


DELEUZE, G. Diferença e repetição. Trad. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

_______. O Mistério de Ariana: cinco textos e uma entrevista. Lisboa: Vaga Limitada, 1996.

_______. Nietzsche e a filosofia. Trad. de António M. Magalhães. Porto: Rés, s/d.

________. Otobiographies: l'enseignement de Nietzsche et la politique dun nom propre. Paris: Galilée, 1984.

DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 1973.

_______. Os fins do homem. In: Margens da filosofia. Campinas: Papirus. Trad. de Joaquim Torres Costa e António M. Magalhães. Campinas: Papirus, 1991.

NIETZSCHE, F. A Gaia Ciência. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

_______. Além do bem e do mal. Prelúdio a uma filosofia do futuro. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

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_______. Escritos sobre Educação. Organização, tradução, apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

_______. Fragments posthumes. Automne 1884 – Automne 1885. Trad. par Michel Haar et Marc B. De Launay. Paris: Gallimard, 1982.

_______. Humano, Demasiado humano. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000b.

_______. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. Trad. Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra, 2007.

domingo, 4 de outubro de 2009

PARA ALÉM DE ROSA: IDEOLOGIA COMO PESADELO OU FIM DE UM ‘SONHO UTÓPICO’ (Artigo apresentado por ocasião do III Krisis-2009)


A Rosa vermelha agora também desapareceu

Onde se encontra é desconhecido

Porque ela aos pobres a verdade há dito

Os ricos do mundo a extinguiram

(Escreveu Bertold Brecht aos vinte um anos)



A última década é marcada por conflitos que fazem crer que aquela ideia de terror incitado pela guerra fria tenha sido, infelizmente, superada por um outro ainda mais cruel. É diante desta feita que questões filosóficas tais como a violência, o agir ético e/ou a existência humana ganham novo fôlego. O fazer filosófico, assim, parece hoje emergir da necessidade de nos desdobrarmos sobre velhos problemas em busca de novas respostas. E é justamente nesse sentido que parece claro afirmar hoje que já se foi o tempo no qual falar de Filosofia Política poderia ser uma questão simplesmente da apreciação de autores; ou mesmo, uma questão dentro da própria História da Filosofia.

Em uma análise simplista, podemos afirmar que desde a virada do século XIX para o XX urge no pensamento a necessidade de estarmos inseridos nos eventos que nos circundam. Não somos espectadores que apreciam o espetáculo de outrem. Ao contrário, somos nós os atores principais da Ópera ainda em construção. Em suma, neste fazer filosófico contemporâneo não podemos aparecer como indivíduos observadores de uma “imagem” invertida ou fantasmática do mundo, das coisas e de si mesmos; distanciados do mundo como se no mundo não estivéssemos lançados. A filosofia que espreitamos e buscamos construir é a da vivência; afinal é na vivência, naquilo que é experienciado, que a existência humana em suas diferentes possibilidades emerge. Tratemos, então, de uma questão de fôlego para o existir humano no cenário político-filosófico contemporâneo.

Ora, o século é o XXI e o ano 2009 e, nestes, dois eventos nos perturbam a memória: (i) por um lado, na mais recente história, deparamo-nos com os vinte anos da Queda do Muro de Berlim; (ii) por outro, não tão recente assim, homenageamos os noventa anos do assassinato de Rosa Luxemburgo. A pergunta que fica talvez seja: O que estes dois eventos do século XX possuem em comum hoje? Rosa é assassinada por querer construir um Socialismo livre. Para ela, “as massas devem aprender a exercer o poder no próprio exercício do poder; não existe nenhuma outra forma de lhes ensinar essa arte”. Seu legado político consiste na noção de que a vida pública ativa, fundada no debate e na liberdade de expressão, é fundamental para o sucesso de qualquer projeto revolucionário. O Muro construído em 1961 para consagrar a separação entre as duas Alemanhas – Oriental e Ocidental – e também entre duas Europas, se torna um dos principais monumentos da Revolução Socialista/Comunista. Contudo, sua queda reflete não mais as aspirações marxistas de uma nova e ‘positiva’ configuração econômica e social, mas antes, a realização de um sonho reprimido por quase 30 anos. Em comum, ambos os eventos apontam para o extraordinário do tempo em que vivemos, o qual, como afirmara Rosa, em 1906, é um tempo extraordinário justamente por propor “problemas enormes e espoliar o pensamento”, um tempo “que suscita a crítica, a ironia e a profundidade, que estimula as paixões e, antes de tudo, um tempo frutífero, prenhe”. É um tempo de transições, no qual um mundo velho parece ter sido engolfado e outro surge dos escombros das diferentes guerras. Entretanto, esse novo mundo não emergiu da liberdade, apesar dela ter se apropriado o termo; de fato, o que vimos e vemos, no compasso do pré-soerguimento e da queda do Muro de Berlim, se encontra na urgência das palavras de Rosa: “Socialismo ou Barbárie”? Ou melhor, poderíamos hoje perguntar, “Civilização ou Barbárie”?

Somos cientes que o termo barbárie em sua essência não contempla hoje as relações entre indivíduos ao longo do planeta. Afinal, bárbaro, tal qual fora entendido pelos gregos, era o ‘estrangeiro’; o não civilizado; aquele que não detinha o logos no fazer político; o que se utilizava da força para alcançar o poder. Hoje me parece que não estamos tão distante dos gregos; ao termo ‘barbárie’ denota-se um estado ou uma condição de bárbaro, ou seja, um grau de crueldade, desumanidade e tirania. Ora, podemos nos considerar o ápice da civilização humana — pelo menos, assim, afirmam antropólogos, cientistas sociais e filósofos —; contudo, as relações estabelecidas no último século construíram um novo modelo de barbárie. Neste, não apenas se inclui a noção de civilização, como também se retoma a presença do estrangeiro, o qual, todavia, não apenas aparece capacitado para executar ações cruéis, mas antes, é tomado como aquele que deve ser excluído pela crueldade. Em outras palavras, surge, no último século, um novo arquétipo do barbarismo, a saber: a ‘barbárie moderna’, a qual constitui um modelo de exclusão em que um limite é transgredido e em que um outro nível é atingido. Nesse momento, vale frisar, a diferença é qualitativa. Trata-se de uma barbárie especificamente moderna, do ponto de vista de seu Êthos, de sua ideologia, de seus meios e de sua estrutura burocrática. Aliado à nova barbárie, parece que também vemos surgir uma nova espécie de homem; um modelo de homem cuja vida é pautada na hostilidade para com o Outro: nasce o Homo hostilis.

De fato, nos últimos 150 anos, a razão humana — tal qual fora vislumbrada no século das Luzes e pela Revolução Francesa —, a racionalidade dos fins últimos e dos valores irrigados pelos sentimentos e pelas paixões, tal como nos ensinaram Kant e Goethe não triunfou. E, de modo mais evidente ainda, ao longo de todo o século XX, o que despertou o homem parece ter sido a racionalidade desfigurada e restrita, a qual — no lugar de um ‘estado de natureza’ como apregoado por Hobbes — edificou, isto sim, um modelo que se pretende natural, mas não o é. Este arquétipo de homem erige-se em bases artificiais, cuja legitimação verifica-se no aparato jurídico-científico que emerge pós a iluminação moderna.

Sinaliza-se aqui, portanto, para um advento que decorre de uma forma de pensamento e de um estilo de ação perversos, cujas bases acabam convergindo de forma controversa com um estado humano já apresentado por Thomas Hobbes no Leviatã, no qual o homem se torna o Homo homini lupus.

O advento apontado, portanto, não mais diz respeito ao ‘estado de natureza’ apresentado por Hobbes, no qual o Homo homini lupus existe por não haver um poder regulador capaz de manter o controle sobre as ações humanas. O Homo hostilis, proposto por mim, deriva justamente da construção de um poder regulador, o qual, no lugar de tirar o homem de sua solidão, o coloca enclausurado dentro de um sistema jurídico que, respaldado na legitimação social e científica, cria um estado artificial de ‘natureza humana’. Tal natureza permite que um indivíduo hostilize — desconsiderando o outro como sujeito — aquele que em seu aparato jurídico-científico não se consagra como humano. Os diferentes modelos políticos contemporâneos parecem se utilizar muito bem deste aparato jurídico-científico na busca da consagração de suas Soberanias.

À vista do exposto, voltemos à Rosa Luxemburgo. Afirma Rosa que o socialismo não é e não será inaugurado por decreto; ou seja, não pode ser estabelecido por um governo, mas, isto sim, o socialismo deve ser criado pelas massas. Ora, tal afirmação, dentre outras coisas, remete-nos aos vinte anos passados da queda do Muro de Berlim; melhor, insere-nos diante do fim de um ‘sonho utópico’ ou de um ‘pesadelo ideológico’; lembrando que, afinal, a ideologia emergida da torrente ‘comunista’ se fez, como toda a ideologia, obstáculo da consciência para a autonomia e emancipação. Mas, será que o fim da ideologia comunista pôs um ponto final nas estruturas de poder pautadas na coerção? Há, de fato, um ponto limítrofe na existência do referido Homo hostilis; ou dela emerge um novo modelo coercitivo que nos mantém no mesmo paradigma ideológico vinculado às diferentes formas hostilidade e de minimização da condição humana?

Ora, como aludido, vivenciamos um tempo extraordinário, o qual, justamente por propor “problemas enormes e espoliar o pensamento”, suscita sua crítica Neste tempo, parece que nos fechamos na armadilha foucaultiana; isto é, na inversão da proposição de Clausewitz, deparamo-nos com a política sendo a guerra continuada por outros meios. O Homo hostilis, assim, não se perde no princípio de sua existência; antes, parece perpetrado nas relações de força e poder que elegem amigos e inimigos nos confrontos inaugurados ao fim do século XX e nesta primeira década do XXI.

Diante deste quadro, a ação política, como a guerra desencadeada nesta e por meio desta ação, emerge da modalidade normativa das tensões existentes. Em outros termos, é da inimizade, como “negação ontológica de outro ser” que ela existe. Desta feita, podemos afirmar que, enquanto permanecer a idéia de inimigo, a guerra não deve ser rejeitada. Contudo, a guerra aqui pontuada não possui o caráter único de uma ação militar ou bélica, imperialista ou pacificista; antes, como alude Schmitt, “deve ser vista como pressuposto sempre presente, como possibilidade real a determinar o agir e o pensar do sujeito social para a emergência do comportamento político”. À vista disso, é justamente em face dessa possibilidade real que a vida adquire uma tensão especificamente política.

Sendo a vida um fato político, então, também político é o conceito de homem. Outra vez é Foucault que nos chama a atenção; afinal, o homem não é mais aquilo que dele pensava Aristóteles, “um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente”[2]. O homem, portanto, é um animal vivo cuja vida é constantemente questionada, não importando o que ele faça.

Ora, seguindo o rastro de Schmitt, toda unidade política prevê a existência de um inimigo e, por esta razão mesma, também prevê a existência de um amigo. Em outros termos, o que está em jogo ainda é a presença do homem, porém esse é sempre um Outro. Mais legitimamente, é o homem que emerge do fato político, haja vista a humanidade[3], como alguns advogam, não ser um conceito político e a ele não corresponder nenhuma unidade política. É nesse sentido que o conceito de humanidade aparece não como caráter universal, mas, isto sim, como um “instrumento ideológico”, especialmente útil para discursos de ordem imperialista e/ou totalitária. Permanecem, assim, os dizeres de Proudhon, que afirma: “quem diz humanidade, pretende enganar”.

Mais uma vez as palavras de Rosa ecoam e nos despertam para o extraordinário do tempo. Tempo este nosso que apregoa a exclusão, a exceção em nome da ideologia humanitária. A guerra continua e a queda do Muro não cessou nem a Ideologia nem a violência, paradigmas de nossa era. O Homo hostilis é quem impera.

No seio desta evidência incômoda, na qual são participes os mecanismos políticos de controle sobre a vida e a redução desta a sua mínima parte, é válido observar dois aspectos dessa nossa nova era: (i) por um lado, há o caráter hostil com que o homem se relaciona para com seu outro; (ii) contudo, por outro lado, esta mesma hostilidade cria uma sensação também de acolhimento. É sempre ao outro que nos referimos. A esse direito de hostilizar e hospedar outrem. Destarte, é fato que na gênese dessas duas palavras, a de hospedar e hostilizar, encontramos o mesmo radical: host, o hospedeiro, o generoso, distribuidor da hospitalidade. Poder-se-ia dizer daquele com quem se mantêm obrigações recíprocas de hospitalidade. Disto deriva a sensação do acolhimento.

Contudo, hóspede e hospedeiro visitam-se. Um não existe sem o outro. Um hospedeiro é uma hóstia, a vítima oferecida em sacrifício que, posteriormente, tornou-se o pão consagrado, o corpo do Cristo na eucaristia. Em suma, uma oferenda, um pão a ser engolido. O Host, portanto, como hospedeiro é, simultaneamente, tanto o que alimenta como aquele que serve de alimento. O que oferta e o que é ofertado. E aquilo a que se oferta pode ser algo benigno ou maligno, tanto quanto o hóspede pode ser um amigo ou um inimigo (ou um parasita).

Ora, o radical host também está na raiz de hostil: o contrário, o adverso, o inimigo. Nesse sentido, hostilidade parece ser o exato oposto de hospitalidade, na medida em que hostilizar é tratar o outro como inimigo. Host, hospedeiro e hóstia, também é a raiz de hoste, o inimigo. No interior de host, portanto, há esse sentido antitético do familiar e íntimo e do estranho e estrangeiro. Logo, o termo hostilidade guarda a mesma relação interna que hospitalidade, ao opor-se-lhe: hostilizar é combater-se, agredir-se mutuamente. O hospedeiro não mais se oferece ao outro, mas volta-se contra si mesmo na figura de seu espelho. O outro emerge assim, como não apenas o estrangeiro, mas como aquele que é o outro absoluto.

O Homo hostilis, desse modo, aparece como um conceito amparado em sua própria antítese. Sua significação e valor são dados na contraposição de seus contrários. O ser doravante hostilizado encontra seu par antitético na relatividade à mensagem do Outro que se impõe, e isso de forma imperativa, como uma ordem, uma Lei. Hospitalidade e hostilidade se tornam relativas diante do par amigo-inimigo.

Há vista disso, voltemo-nos para Derrida, para quem:

A lei da hospitalidade, a lei formal que governa o conceito geral de hospitalidade, aparece como uma lei paradoxal, perversível ou pervertora. Ela parece ditar que a hospitalidade absoluta rompe com a lei da hospitalidade como direito ou dever, com o “pacto” da hospitalidade[4].

É a Lei, podemos afirmar, quem hospeda e hostiliza. Acolhe e mata. Afinal, existe uma autoridade, uma força legítima que permite, ‘no ápice hegeliano do progresso da humanidade’, a exclusão de outrem. Há sempre um inimigo, há sempre a “negação ontológica de outro”. E, apesar de primariamente, o reconhecimento do outro como inimigo trazer consigo a ideia de que este representa a encarnação de um mal, devendo, por essa razão mesma ser eliminado, também, e principalmente, o que se verifica nesta negação contemporânea do Outro é o fato deste inimigo não aparecer como um inimigo privado, inimicus, mas, isto sim, ele representar um inimigo público (hostis) e, por isso mesmo, passível de eliminação. Este inimigo, como frisa Carl Schmitt, é o “estrangeiro”.

O que se verifica na negação Legal do outro, desse entendimento formal deste como “estrangeiro”, é a existência de certo privilégio. Afinal, o reconhecimento do outro na sua qualificação de estrangeiro e de inimigo — que nos obriga a acolher a ideia da existência de uma tensão constante, bem como a possibilidade sempre latente da eliminação física desse outro — é, sem dúvida, uma espécie status; e isso devido ao fato de que determinado Estado, na possibilidade legal de garantia de sua identidade e Soberania, pode eliminar esse outro de modo legítimo e, por que não, ‘moral’ (Afinal, está dentro da Lei). Em outras palavras, elimina-se o outro dado este ter sua condição humana minimizada. Ora, a redução desse outro à sua mínima parte faz, como afirma Giorgio Agamben, com que possamos matar sem cometer assassinato. Aponta-se, portanto, para o fato de haver “um limiar além do qual a vida cessa de ter valor jurídico e pode, portanto, ser morta, sem que se cometa homicídio”[5].

De fato, vivenciamos nestes últimos vinte anos, o auge do pensamento da exclusão. É um momento propriamente poético do pensamento, afirma Agamben, donde o termo “estado de exceção” parece a terminologia mais adequada, haja vista este não emergir de um direito especial, mas, isto sim, da suspensão da própria ordem jurídica[6]. Suspensão esta que permite a supressão dos direitos individuais mais simples. Há no mundo, nos últimos vinte anos, certos tipos de homens, capazes de estar ou não inclusos nos diferentes conjuntos montados no espaço da lei nos Estados.

Como dissera Hannah Arendt

A concepção dos direitos do homem, baseada na suposta existência de um ser humano como tal, caiu em ruínas logo aqueles que a professavam encontraram-se pela primeira vez diante de homens que haviam perdido toda e qualquer qualidade e relação específica — exceto o puro fato de serem humanos[7].

Com a minimização da Condição Humana; isto é, com a redução do homem a sua mínima parte, sua Zoé (vida nua) parece que vemos o século XX limitado em datas não cronologicamente estruturadas com a abertura e o fechamento de um século, mas, isto sim, com eventos marcadamente espetaculares e incômodos que nos dão imagens de ‘pesadelos dogmáticos’ ou de ‘sonhos utópicos’: a Primeira Grande Guerra e a Queda do Muro de Berlim. Um século marcado pelo terror finge extinguir-se na abertura dos sonhos de um admirável mundo novo. O muro caiu e o século findou; entrementes, na esteira do novo milênio, o que se verifica mais uma vez é o terror. Agora, mais acentuado, mais cruel e legitimado.

Ora, a questão que permeia a noção de terror e as práticas que implementam um sentido moderno à barbárie já citada são inauguradas com o advento da I Grande Guerra e todo o seu entorno. E é Rosa Luxemburgo que intuiu que alguma coisa sem precedente estava por vir no curso daquela guerra.

É Rosa, ao usar a palavra de ordem “socialismo ou barbárie[8] — em A crise da social-democracia, de 1915 — quem rompe com a concepção de que a história aparece como um progresso irresistível, inevitável e ‘garantido’ pelas leis ‘objetivas’ do desenvolvimento econômico ou da evolução social. Este termo implica a percepção da história como processo aberto, isto é, como uma série de bifurcações, no qual o “fator subjetivo” — consciência, organização, iniciativa — dos oprimidos torna-se decisivo. Não se trata mais de esperar que o fruto amadureça, segundo as “leis naturais” da economia ou da história, mas de agir antes que seja tarde demais. Decerto, a outra alternativa é um sinistro perigo: a barbárie.

Em princípio podemos pensar que esta alternativa perigosa é um retrocesso, a “recaída na barbárie” como “a aniquilação da civilização”, uma decadência análoga àquela da Roma antiga[9] . Contudo, não se trata de uma impossível ‘regressão’ a um passado tribal, primitivo ou ‘selvagem’; antes, a barbárie que se evidencia é eminentemente moderna, da qual a Primeira Guerra Mundial dá um exemplo surpreendente, bem pior em sua desumanidade assassina que as práticas guerreiras dos conquistadores ‘bárbaros’ do fim do Império Romano. Jamais havia se visto o uso de tecnologias tão modernas — os tanques, o gás, a aviação militar — colocadas ao serviço de uma política de massacre e de agressão em uma escala tão imensa.

Rosa recusava categoricamente, do princípio ao fim, em ver na guerra outra coisa senão a mais terrível catástrofe, sem importar qual fosse seu resultado final; o preço de vidas humanas [...] seria alto demais sob quaisquer circunstâncias[10].

Infelizmente, em tempos de século XXI, é a barbárie civilizatória que parece imperar. E a filosofia deve se preocupar em pensar o que dizer deste novo e grandioso problema. Afinal, as algias de hoje, cujos nascimentos se deram em 11 de setembro de 2001, tiveram sua fecundação com a queda do Muro de Berlim. Resta-nos saber se ainda podemos filosofar.

Uma filosofia capaz de servir par tudo, até mesmo “transformar assassinos em Juízes”, como afirmara Camus, pode, então, ser algo mais que “a simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos [...]. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos”[11]. Em outras palavras, é preciso olhar para problemas em busca da lucidez de um novo sol.

E, parece não haver nada novo sob o sol a não ser a progressiva e intensa concorrência, um voo ascendente que galga degraus cada vez mais altos na hostilidade para com o outro. Contudo, mesmo não aparecendo nada sob o sol, há um sol que ainda brilha, cega e elucida, como diria Camus. A guerra não cessa, e agora é menos sutil e mais violenta. E isso não pelo arcabouço bélico que traz consigo — ainda vivenciamos, dizem, a ‘guerra convencional’—; antes o que se vê são os mísseis que calam a agonia e a dor impessoalizada nos pontos brilhantes das telas de TV. A guerra, escrevera Clausewitz, “não pertence ao domínio das artes e das ciências, mas sim ao da existência social [...] Seria melhor compará-la, mais do que a qualquer arte, ao comércio, que também é um conflito de interesses e de atividades humanas”[12]. E neste conflito de interesses as palavras de Rosa ficam para marcar nossa memória: “Liberdade é sempre também a liberdade de quem discorda de nós”. O Outro não perde seu lugar; afinal, “o terror [como dissera Albert Camus] é a homenagem que solitários rancorosos acabam rendendo à fraternidade dos homens”. Se há uma palavra de ordem, esta é alteridade.

Ora, Rosa Luxemburgo viveu e morreu em nosso tempo, que é um tempo ainda de transição. Seus companheiros construíram aquilo que chamamos de socialismo, seus assassinos e inimigos ajudaram Adolf Hitler a subir ao poder. No compasso dessa história, o Muro da ideologia utópica e também assassina ruiu, o Füher suicidou-se na decadência de seu império e, o que fica é ainda a certeza de que há um outro que pode vir a ser meu inimigo. Por esta razão mesma, devo eliminá-lo. O inimigo é sempre Outro. Luta-se agora contra o bloco fundamentalista islâmico, contra o mundo árabe e talibãs terroristas. Não mais a foice e o martelo que preenchiam a bandeira vermelha do comunismo. Entretanto, em um olhar não muito profundo, verifica-se o mesmo cinismo que executou Rosa e levantou o Muro de Berlim: a arrogância do poder que, na bela imagem de Baudrillard, “chora por si mesmo ao mesmo tempo que se é o mais forte”[13]. A violência é sempre devastadora; mas oculta a olhos que não são acostumados a enxergar. Não há como se comover com o que não se percebe claramente.

Em tempos de extraordinário, são os “civilizados” quem têm um mundo a perder. O outro é sempre um outro que me espelha e que, justamente por ser espelho, pode ter sua vida reduzida, minimizada e hostilizada à mera condição de vida. Nos resta, no paradigmático e extraordinário de nosso tempo, lembrar, como dissera Levinas, “a relação com o outrem —isto é, a justiça” emerge como “direiteza do acolhimento feita ao rosto”[14]. Não uma direiteza como direito, afirma Derrida; mas, isto sim, como “a extensão do direito de outrem”[15].

“Ao todo, foram apenas tijolos no muro” — All in all it was all just bricks in the wall —, diz a letra da música, e um mar de coroas e cravos vermelhos. E o que fica ainda são as palavras na lápide de Rosa: “Os mortos nos exortam”.

Referências

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ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

______. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

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CLAUSEWITZ, C. von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Que é aFilosofia ? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

DERRIDA, Jacques. Da Hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.

______. Força de Lei. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: Vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2006.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003

LEVINAS, Emmanuel. Totalité et Infini, “Verité et Justice”, Nijhof, 1962.

LUXEMBURGO, R. A crise da social-democracia, 1915.

[1] Cf.Hobbes, Leviatã: “Durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. [...] tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz. […] O resultado dessa situação geral é que a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro, Maria Beatriz Nizza e Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (Clássicos Cambrigde de Filosofia Política), cap. XIII (Da condição natural da Humanidade relativamente à sua felicidade e miséria).

[2] FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: Vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2006, p. 156.

[3] O conceito humanitário de humanidade, do século XVIII, era uma negação polêmica da ordem aristocrático-feudal ou estamental então existente e de seus privilégios.

[4] DERRIDA, Jacques. Da Hospitalidade. São Paulo, Escuta, 2003. p. 23

[5] AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 146.

[6] Cf. Agamben. Estado de Exceção. p.15.

[7] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.. p.229.

[8] Apesar de o termo ser sugerido por certos textos de Marx ou de Engels, é com Rosa que essa formulação se torna explícita e elaborada.

[9] LUXEMBURGO, R. A crise da social-democracia, 1915.

[10] ARENDT, Hannah. Homens em Tempos Sombrios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 54.

[11] DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Que é aFilosofia ? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 13

[12] CLAUSEWITZ, C. von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 127.

[13] BAUDRILLARD, J. Power Inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003.

[14] Cf. LEVINAS, Emmanuel. Totalité et Infini, “Verité et Justice”, Nijhof, 1962.

[15]DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo, Martins Fontes, 2007. p.42.